domingo, novembro 03, 2013

Ira

[a ira]


eu digo: abre as pernas.
mas os meus lábios não se movem.

eu posso dizer: cospe um filho
com a minha língua dentro da boca.

eu posso morrer num funeral, que é
uma morte natural, ou nem morrer.

eu posso escrever a ira a três mãos:
a mão do homem, a mão de deus, a
minha mão. posso escrever a paixão
a três mãos, fazer amor a três mãos.

eu volto a dizer: abre as pernas.
e a minha voz é só o movimento
oblíquo das palavras.

mas se eu disser com a mão do homem,
com a mão de deus, e com a minha mão,
abres as pernas?


in ' um cão em cada dedo '
in ' revista inútil ', n.º 1



         (Paula Rego)

E ele diz: abre as pernas
com a voz tensa de ira.
E ela replica: a ira não abre pernas,
só o amor.


 

8 comentários:

  1. gosto muito (deste e do blogue inteiro :)

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  2. "Se nos picarem, não sangramos?
    Se nos fizerem cócegas, não rimos?
    Se nos envenenarem não morremos?
    E, se nos ultrajarem, não nos vingaremos?"
    William Shakespeare


    "E ele diz: abre as pernas
    com a voz tensa de ira.
    E ela replica: a ira não abre pernas,
    só o amor. "

    5 *****

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    1. Obrigada, Legionário!

      Beijinhos Marianos e bom Domingo! :)

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  3. O amor é o único afrodisíaco. Tudo o resto, meros sucedâneos, inconsequentes, sem sentido.

    Bom dia, Maria, bom Domingo!

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    1. Sim! Não há nada que o substitua, ainda que tentemos.

      Beijinhos Marianos, Xil, bom Domingo para ti também! :)

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