(Robert Doisneau)
Costumava trepar à oliveira sobranceira ao caminho de casa e ficar a baloiçar os pés, enquanto cantava a plenos pulmões. Tinham-lhe dito que a voz era boa e treinava sempre que podia. Afinal podia ser cantora, ora! De tanto repetir a mesma canção começou a cansar-se. Cantora? Pffffffff! Queria era ser arquitecta! O pai ria-se sempre quando dizia isso.
Arquitecta? Diabo da rapariga que nem se dá com os números, é só romances e historietas dia e noite...Vais é para médica! Isso sim, é profissão bonita para uma mulher! Afinal também gostas de Ciências e fartas-te de fazer curativos à bicharada! Lembras-te, mulher, quando a danada se pôs a ressuscitar o coelho que tinhas acabado de matar para o jantar?
Aos treze anos descobriu Eça de Queirós. Bastou terem-na proibido de ler O Crime do Padre Amaro para ir à primeira estante onde o encontrou, numas férias em casa de uns tios, e zás! Foi o Padre, A Relíquia, os contos, e a obra toda que ali estava, encadernada a verde e dourado, mesmo a pedir que alguém lhe desse outro uso que não o de enfeitar a estante. Mais tarde iria reler esses livros com olhos de outro entendimento mas, naquele Verão, o som das palavras ficou-lhe na cabeça bem mais melodioso. Logo se viu nas notas dos testes de Português. Redacções com vocabulário excelente, dizia a professora, encantada.
Menina, o que andaste tu a a ler?
Eu, Sra. Professora? Uns romances muito antigos de que nem me lembro o nome.
E vinham-lhe à lembrança os calores da moça e do padre, agora que os catorze anos lhe despertavam uma certa inquietação no corpo.
Foi já aos quinze, quando os calores já não eram novidade e as leituras iam de vento em popa que decidiu não ser nem arquitecta, nem médica. Professora! Seria professora mas daquelas que falavam de livros, de histórias, de palavras. Uma sonhadora, a rapariga!