quinta-feira, julho 31, 2014

Palavras


(Robert Doisneau)

Costumava trepar à oliveira sobranceira ao caminho de casa e ficar a baloiçar os pés, enquanto cantava a plenos pulmões. Tinham-lhe dito que a voz era boa e treinava sempre que podia. Afinal podia ser cantora, ora! De tanto repetir a mesma canção começou a cansar-se. Cantora? Pffffffff! Queria era ser arquitecta! O pai ria-se sempre quando dizia isso. 
Arquitecta? Diabo da rapariga que nem se dá com os números, é só romances e historietas dia e noite...Vais é para médica! Isso sim, é profissão bonita para uma mulher! Afinal também gostas de Ciências e fartas-te de fazer curativos à bicharada! Lembras-te, mulher, quando a danada se pôs a ressuscitar o coelho que tinhas acabado de matar para o jantar?
Aos treze anos descobriu Eça de Queirós. Bastou terem-na proibido de ler O Crime do Padre Amaro para ir à primeira estante onde o encontrou, numas férias em casa de uns tios, e zás! Foi o Padre, A Relíquia, os contos, e a obra toda que ali estava, encadernada a verde e dourado, mesmo a pedir que alguém lhe desse outro uso que não o de enfeitar a estante. Mais tarde iria reler esses livros com olhos de outro entendimento mas, naquele Verão, o som das palavras ficou-lhe na cabeça bem mais melodioso. Logo se viu nas notas dos testes de Português. Redacções com vocabulário excelente, dizia a professora, encantada. 
Menina, o que andaste tu a a ler? 
Eu, Sra. Professora? Uns romances muito antigos de que nem me lembro o nome.
E vinham-lhe à lembrança os calores da moça e do padre, agora que os catorze anos lhe despertavam uma certa inquietação no corpo.
Foi já aos quinze, quando os calores já não eram novidade e as leituras iam de vento em popa que decidiu não ser nem arquitecta, nem médica. Professora! Seria professora mas daquelas que falavam de livros, de histórias, de palavras. Uma sonhadora, a rapariga!



quarta-feira, julho 30, 2014

Dor



 (Frida Kahlo)

Às vezes a dor dilacerava-lhe a carne, numa incidência funda e aguda. Outras, avançava alma adentro, como se de um ácido corrosivo se tratasse. 
Verdadeiramente insuportável, no entanto, era quando ambas se juntavam...





*dolorosamente, pela minha amiga.Ainda, dolorosamente, por todos os que sofrem.

terça-feira, julho 29, 2014

Tempo incerto



Descalça, luta contra a nortada. Cabelo em desalinho, vestido em rodopio à volta do corpo que anseia pelo sol. Faz tempo que não ia àquela praia. Imagens de sorrisos, abraços, beijos, pegadas na areia molhada a apagarem-se com a maré... Faces queimadas pelas horas que se esqueceram de girar nos ponteiros das dunas... Um sacudir de ombros e a toalha às riscas coloridas acolhe a brancura da pele no fato de banho preto e branco. Não há sorrisos, nem abraços, nem beijos. Sobra o sol. O sol, as dunas e a areia molhada pela água salgada em vaivém de marés.

Não me posso esquecer do protector solar! pensou. 


domingo, julho 27, 2014

Por um pedaço de terra



"I am writing these words as a Messenger of Peace for the United Nations and as someone who holds two passports: an Israeli and a Palestinian one. [...] This conflict is not a political conflict, but it is a human one between two peoples that share the deep and seemingly irreconcilable conviction that they are entitled to the same small piece of land, and that without the other..."

Daniel Barenboim






Por um pedaço de terra?

sábado, julho 26, 2014

Sufocar

( Flora Borsi)


O Grito  

Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos

se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse

se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer

se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

se ao menos esta dor sangrasse


Renata Pallottini, in 'A Faca e a Pedra'





Há um grito que se abafa na garganta , palavras que jorram no peito e não se articulam. Há dores que nunca serão ditas. Nunca serão sabidas. Se morrerem, será por serem sufocadas.

terça-feira, julho 22, 2014

...



Demasiado perto do sol



 (Henri Matisse - Ícaro)

Prisioneiro de Minos, Dédalo não podia conformar-se em ficar confinado a uma cela, nem a ver Ícaro, seu filho, igualmente aprisionado. Ao longo dos dias, foi engendrando uma forma de escaparem. Asas! Arduamente, foi juntando penas de pássaro que ligava com cera de abelha. Ficaram lindas! Instruindo Ícaro, bem lhe explicou que não deveria voar demasiado perto do sol, não fosse a cera derreter e a queda ser mortal. 
Ambos voaram. Só Dédalo escapou. Ícaro não resistiu à tentação de voar cada vez mais alto... 

Quem nunca quis ver o sol de perto, ainda que avisado de todos os riscos? 



domingo, julho 20, 2014

História de amor

(Snu Abecassis e Sá Carneiro,  da fotogaleria de Sábado)

Há histórias de amor que ultrapassam os amantes. Ultrapassam, até, a morte dos amantes.



sábado, julho 19, 2014

Da dor

Pain has an Element of Blank

Pain—has an Element of Blank—
It cannot recollect
When it begun—or if there were
A time when it was not—

It has no Future—but itself—
Its Infinite Contain
Its Past—enlightened to perceive
New Periods—of Pain.
Emily Dickinson
 
(Sandro Bastioli)

A Dor Tem um Elemento de Vazio 

A Dor - tem um Elemento de Vazio -
Não se consegue lembrar
De quando começou - ou se houve
Um tempo em que não existiu -

Não tem Futuro - para lá de si própria -
O seu Infinito contém
O seu Passado - iluminado para aperceber
Novas Épocas - de Dor.


Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas"
Tradução de Nuno Júdice





Não há nascimento e morte para a dor. Há, apenas, dor.

sexta-feira, julho 18, 2014

Amar como um homem




(Snezana Bujosevic)
"Nunca ninguém amou completamente, houve sempre uma forma de amar fragmentária, parcial. Amou-se sempre em função de uma fracção do amor como se usou um vestuário segundo a moda, desde o calção ou o penante de plumas. Vou-te amar como Deus. Não, não. Deus não sente prazer nem movimento progressivo até ao prazer, coitado, é tão infeliz. Vou-te amar como um homem."

Vergílio Ferreira 


Será o amor um "movimento progressivo até ao prazer"? O fim do prazer será o fim do amor? O fim do amor será o fim do prazer?
Seja o que for, o que interessa definir o amor? 

quinta-feira, julho 17, 2014

Dos dias de não-alternância

 (Jiri Borsky)

Havia dias em que ele a amava mais. Dedicava-lhe versos, escolhia músicas para ela ouvir, queria-a por perto a toda a hora, não resistia a mandar-lhe beijos...
Outros, eram dela. Se houvesse mais palavras doces seriam dela para lhe dizer, se houvesse mais intensidade no olhar, no tocar, no beijar, seria dela...
Mas os melhores de todos os dias eram aqueles em que ambos se amavam para além do imaginável, num corpo a corpo que lhes enchia a alma.



terça-feira, julho 15, 2014

Carta de amor (Soror Mariana Alcoforado)


(Domingos Ribeiro)

Primeira Carta

Considera, meu amor, a que ponto chegou a tua imprevidência. Desgraçado!, foste enganado e enganaste-me com falsas esperanças. Uma paixão de que esperaste tanto prazer não é agora mais que desespero mortal, só comparável à crueldade da ausência que o causa. Há-de então este afastamento, para o qual a minha dor, por mais subtil que seja, não encontrou nome bastante lamentável, privar-me para sempre de me debruçar nuns olhos onde já vi tanto amor, que despertavam em mim emoções que me enchiam de alegria, que bastavam para meu contentamento e valiam, enfim, tudo quanto há? Ai!, os meus estão privados da única luz que os alumiava, só lágrimas lhes restam, e chorar é o único uso que faço deles, desde que soube que te havias decidido a um afastamento tão insuportável que me matará em pouco tempo.
Parece-me, no entanto, que até ao sofrimento, de que és a única causa, já vou tendo afeição. Mal te vi a minha vida foi tua, e chego a ter prazer em sacrificar-ta. Mil vezes ao dia os meus suspiros vão ao teu encontro, procuram-te por toda a parte e, em troca de tanto desassossego, só me trazem sinais da minha má fortuna, que cruelmente não me consente qualquer engano e me diz a todo o momento: Cessa, pobre Mariana, cessa de te mortificar em vão, e de procurar um amante que não voltarás a ver, que atravessou mares para te fugir, que está em França rodeado de prazeres, que não pensa um só instante nas tuas mágoas, que dispensa todo este arrebatamento e nem sequer sabe agradecer-to. Mas não, não me resolvo a pensar tão mal de ti e estou por de mais empenhada em te justificar. Nem quero imaginar que me esqueceste. Não sou já bem desgraçada sem o tormento de falsas suspeitas? E porque hei-de eu procurar esquecer todo o desvelo com que me manifestavas o teu amor? Tão deslumbrada fiquei com os teus cuidados, que bem ingrata seria se não te quisesse com desvario igual ao que me levava a minha paixão, quando me davas provas da tua.
Como é possível que a lembrança de momentos tão belos se tenha tornado tão cruel? E que, contra a sua natureza sirva agora só para me torturar o coração? Ai!, a tua última carta reduziu-me a um estado bem singular: bateu de tal forma que parecia querer fugir-me para te ir procurar. Fiquei tão prostrada de comoção que durante mais de três horas todos os meus sentidos me abandonaram: recusava uma vida que tenho de perder por ti, já que para ti a não posso guardar. Enfim, voltei, contra vontade, a ter a luz: agradava-me sentir que morria de amor, e, além do mais, era um alívio não voltar a ser posta em frente do meu coração despedaçado pela dor da tua ausência.
Depois deste acidente tenho padecido muito, mas como deixarei de sofrer enquanto não te vir? Suporto contudo o meu mal sem me queixar, porque me vem de ti. É então isto que me dás em troca de tanto amor? Mas não importa, estou resolvida a adorar-te toda a vida e a não ver seja quem for, e asseguro-te que seria melhor para ti não amares mais ninguém. Poderias contentar-te com uma paixão menos ardente que a minha? Talvez encontrasses mais beleza (houve um tempo, no entanto, em que me dizias que eu era muito bonita), mas não encontrarias nunca tanto amor, e tudo o mais não é nada.
Não enchas as tuas cartas de coisas inúteis, nem me voltes a pedir que me lembre de ti. Eu não te posso esquecer, e não esqueço também a esperança que me deste de vires passar algum tempo comigo. Ai!, porque não queres passar a vida inteira ao pé de mim? Se me fosse possível sair deste malfadado convento, não esperaria em Portugal pelo cumprimento da tua promessa: iria eu, sem guardar nenhuma conveniência, procurar-te, e seguir-te, e amar-te em toda a parte. Não me atrevo a acreditar que isso possa acontecer; tal esperança por certo me daria algum consolo, mas não quero alimentá-la, pois só à minha dor me devo entregar. Porém, quando meu irmão me permitiu que te escrevesse, confesso que surpreendi em mim um alvoroço de alegria, que suspendeu por momentos o desespero em que vivo. Suplico-te que me digas porque teimaste em me desvairar assim, sabendo, como sabias, que terminavas por me abandonar? Porque te empenhaste tanto em me desgraçar? Porque não me deixaste em sossego no meu convento? Em que é que te ofendi? Mas perdoa-me; não te culpo de nada. Não me encontro em estado de pensar em vingança, e acuso somente o rigor do meu destino. Ao separar-nos, julgo que nos fez o mais temível dos males, embora não possa afastar o meu coração do teu; o amor, bem mais forte, uniu-os para toda a vida. E tu, se tens algum interesse por mim, escreve-me amiúde. Bem mereço o cuidado de me falares do teu coração e da tua vida; e sobretudo vem ver-me.
Adeus. Não posso separar-me deste papel que irá ter às tuas mãos. Quem me dera a mesma sorte! Ai, que loucura a minha! Sei bem que isso não é possível! Adeus; não posso mais. Adeus. Ama-me sempre, e faz-me sofrer mais ainda.

Mariana Alcoforado, Cartas Portuguesas (pref. e trad. de Eugénio de Andrade) (via Sentir Sentido)



segunda-feira, julho 14, 2014

Alternância





(Clavé Togores)

Rezam as vozes antigas que, no amor, há sempre um que ama mais do que o outro. Dizem, ainda, que às vezes, com o passar do tempo, o que amava mais passa a amar menos e o que amava menos passa a amar mais. Estranho caminho, o do amor, trilhado em alternância de afectos.

domingo, julho 13, 2014

Frio



 (Cristóvam Dias)

Esquecera-se da chave na porta. José entrou sem pedir e ficou. Quando saiu, deixou a porta escancarada e levou a chave. Sentia-se a friagem pela casa toda.Tinha sido sempre pouco atenta às chaves. Às chaves e aos sinais do tempo.

sábado, julho 12, 2014

Amantes



 (Johanna Logan)

Havia uma crispação naquelas mãos que seguravam a chávena de café, apesar da aparente tranquilidade do olhar. Chamara-lhe a atenção, aquele homem sozinho, no recanto mais escondido da pastelaria. Olhos absortos, semi-cerrados, nariz adunco, boca de lábios finos, tudo num rosto bem escanhoado coroado por cabelo curto, levemente prateado. A camisa azul clara, com mangas displicentemente enroladas, a deixar ver os pulsos que antecediam as mãos grandes e esguias. Não deixou de sorrir ao ver que usava umas Levi's 501 ainda que os sapatos fossem clássicos, com atacadores. Pareceu-lhe que os jeans eram uma nota de arrojo no figurino tradicional.
De repente viu-o olhar para o relógio e inquietar-se, desviando o olhar para a porta.Uma mulher de sorriso aberto acabara de entrar, dirigindo-se-lhe. Ele levantou-se e as mãos, crispadas até então na asa da chávena, tornaram-se doces ao segurar as dela e ao levá-las aos lábios para as beijar. 
Aquelas Levi's 501 não eram o único arrojo a que se permitia já que, mal se sentaram, as suas pernas se enroscaram nas dela como se as quisesse aprisionar, não resistindo a acariciar-lhe um joelho com as pontas dos dedos fazendo-os subir, por baixo do vestido, até à coxa.
Viu-os sair e veio-lhe à cabeça a imagem de uma cama desfeita que vira num quadro... Continuou a beberricar o chá, deixando a imaginação voar com os amantes.

sexta-feira, julho 11, 2014

Nudez

(Rodney Smith)

A solidão
despe
mais fundo
que o amor.
                   O amor
                   inventa
                   sempre
                   novas
                   vestes
novos disfarces
novas fantasias
                   O corpo
                   só
                   é mais nu


Teresa Rita Lopes, A fímbria da fala




Estava nu, estranhamente, ainda que coberto de roupa. 
Via-se-lhe a pele enrugada pela solidão.

quinta-feira, julho 10, 2014

Jazzy Bird

Bird, palavra que lembra voo, bater de asas, canto, improviso.
Charlie Parker voava em improvisos no saxofone. Bird, chamaram-lhe. Clint Eastwood inspirou-se nele para um dos seus filmes...




... e Julio Cortazar escreveu O Perseguidor com Charlie Parker, Bird, no pensamento.

" Este jazz exclui todo o erotismo fácil, todo o wagnerismo, por assim dizer, para situar-se num plano aparentemente solto em que a música fica em absoluta liberdade, assim como a pintura abstracta do representativo fica em liberdade para não ser mais do que pintura."

Júlio Cortazar, in O Perseguidor

terça-feira, julho 08, 2014

Do querer bem

 (Carlo Russo)

O QUERERES

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói


Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim


Caetano Veloso

 

Querer(-te) para além do bem querer.

segunda-feira, julho 07, 2014

Soletro(-te)


Para que o encontro se prolongue
na ausência do nosso cruzar
de dedos,
há uma celebração quotidiana
do teu nome fora da minha boca.
Chamo-te como se de perto
me ouvisses, é só um murmurar
fugidio para que aqui te quedes.


Lidia Martinez, Um adeus perfeito

(Gratziela Gal)

Soletro o teu nome como se a boca estivesse a aprontar-se para um beijo. A língua a roçar o palato, os lábios entreabertos e trémulos.  
Soletro o teu nome e ardo, como num beijo.


                           

domingo, julho 06, 2014

(Ir)Racional

(Cristóvam Dias)

Nunca tentes voar se não tens asas. 
Nunca sigas um pássaro se fores um peixe. 
Nunca pretendas ser solar se és anódino.
Nunca entres num sonho onde não é suposto estares.




Porém: 

Há asas que dizem crescer de repente.
Há muitas amizades improváveis.
Há escuridões que se acendem do nada.
Há sonhos dentro de outros sonhos. 

sábado, julho 05, 2014

quinta-feira, julho 03, 2014

terça-feira, julho 01, 2014

Um outro Verão

(Imagem de Lory Vrba. descubriendo Klímt BaLan)

Anoitece. Os ralos* ensurdecem o bater de asas dos morcegos que desde há muito saem para virem rasar o regato e matar a sede. Ignorando a hora, continuamos a brincar à macaca riscada no caminho de terra com um pau seco de videira.
"-Maria!! Oh Mariaaaaaaaa! Mariaaaaaaaa!", grita a minha mãe da porta da cozinha.
"-Isabel!! Oh Isabeeeeeeeel! Isabeeeeeeeel!", ecoa a voz da Dona Emília, a chamar a filha da varanda florida a sardinheiras.
"-Lina!! Oh Linaaaaaaaaaa! Linaaaaaaaaaa!", esganiça-se a Dona Joana, desde a janela do primeiro andar da casa mais alva da aldeia.
Em correria, apressamo-nos a ir para casa. Nem precisamos dizer até amanhã. Sabemos que é Verão e que as férias grandes nos juntarão de novo, dia após dia, desde o cantar matinal do galo até à noitinha.

*Insecto (Gryllus gryllotalpa) ortóptero da fam. dos grilos.