terça-feira, março 31, 2015

Das tardes brancas

(Alfredo Araujo Santoyo)



entregámo-nos
um ao outro
dentro dos lençóis
brancos
à tarde
na posição mais
ortodoxa
e agora sabemos
e não sabemos
um do outro
escrevemo-nos
escrevemos


Adília Lopes





A tua luz 
na brancura 
cega 
das tardes lânguidas 
A sombra 
do teu corpo 
na alvura translúcida
dos lençóis
Sabíamos de nós
Não sabendo
escrever-nos
desenhámo-nos

Maria Eu




Das elites

(Daryl Stokes - Stairway to success)


e·li·te
(francês élite)
substantivo feminino

1. O que há de melhor e se valoriza mais (numa sociedade). = ESCOL, FINA FLOR, NATA

2. Minoria social que se considera prestigiosa e que por isso detém algum poder e influência.


(in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, consultado em 30-03-2015)

As elites funcionam de forma gregária. Agrupam-se, procuram-se, elogiam-se. Criam uma linguagem própria, cheia de referências  de todo o tipo, das literárias às filosóficas. Por vezes, um estranho que aprecia algumas das suas formas de expressão, aproxima-se. Não que pretenda integrar o grupo mas porque, genuinamente, lhe parece que pode interagir, ainda que pontualmente. É então que percebe a não-pertença. Pode, simplesmente, ser ignorado ou, pior ainda, ser objecto de troça. Troça burilada, intelectualizada, mas é-o, na mesma. As elites perdoam as concordâncias, as discordâncias, as interferências, desde que partam dos seus pares. Há que aprender que se deve deixá-las em paz. Muitas já se desmantelaram com a sua própria soberba.



segunda-feira, março 30, 2015

Saudade


(Manuel Amado)


(...) 
Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado desta palavra branca que se evade como um peixe? Não... e treme-me na boca o seu tremor delicado... Saudade...
 Pablo Neruda, in "Crepusculário"




E às vezes, sem quê nem porquê, vem aquela dormência no coração, aquela que tem nomes e lugares gravados e se chama saudade... Como se mata a saudade? 

Cegueira(s)

(sarahannloreth em deviantart)


Cegueira de Olhos Abertos


A cegueira que cega cerrando os olhos, não é a maior cegueira; a que cega deixando os olhos abertos, essa é a mais cega de todas: e tal era a dos Escribas e Fariseus. Homens com os olhos abertos e cegos. Com olhos abertos, porque, como letrados, liam as Escrituras e entendiam os Profetas; e cegos, porque vendo cumpridas as profecias, não viam nem conheciam o profetizado. 
(...) Esta mesma cegueira de olhos abertos divide-se em três espécies de cegueira ou, falando medicamente, em cegueira da primeira, da segunda, e da terceira espécie. A primeira é de cegos, que vêem e não vêem juntamente; a segunda de cegos que vêem uma coisa por outra; a terceira de cegos que vendo o demais, só a sua cegueira não vêem. 

Padre António Vieira, in "Sermões"



Somos, por estes dias, um mundo de cegos. A nossa cegueira parece manifestar-se em todas as três espécies, agudizando-lhe os efeitos. Foge-se da "responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam", como dizia Saramago, talvez porque ver traz responsabilidades mais fundas.

domingo, março 29, 2015

Da desarrumação das roupas






(Benoît van Innis)



Enfadam-na, as compras por atacado nos shoppings onde se (des)encontram tantos que nem se podem contar. Entra numa loja e passa devagar frente às roupas dependuradas por cores. Começa no bege, passa ao castanho, depois ao verde, ao preto, ao azul... Aflige-a que não fiquem alinhadas, da desarrumação a que as sujeitam as mãos que as tocam, as remexem, as enrugam. Os casacos que abraçam os vestidos só com uma manga, as blusas abotoadas em casas alternadas, os fatos descasados, assemelham-se-lhe aos casais com que se cruza: ela, apressada em entrar nas lojas e repetidamente abrir e fechar as cortinas dos provadores , ele, a deixar-se ficar no átrio, sentado na poltrona.
Sai sem comprar nada. Quem sabe encontra, numa esconsa loja de rua, um casaco abraçado a um vestido como se o não queira deixar?


sábado, março 28, 2015

Tristeza


Hoje, o dia amanheceu cinzento e frio. Havia pouca gente na rua, quando saiu para respirar a Primavera incipiente e escura. Deixou que os passos a levassem até onde já se sentara, de sorriso estampado no rosto, a ouvir histórias de paragens azuis com vento Suão. O chá de rooibos estava bom. Foi esvaziando o bule devagar, sem vontade de regressar à rua. Curiosamente, ao transpor a porta, na saída, o sol raiava como se antes não tivesse estado oculto em cor e temperatura. Estugou o passo e escapou-lhe. Em casa, ainda está frio, como se quer na tristeza.


sexta-feira, março 27, 2015

Amor



I
A névoa disse à árvore:
tu, cedro, perdes a tua forma,
se eu te abraço. Disse
o cedro: o Sol ama-me mais,
toma o meu corpo inteiro
no seu corpo e dá-lhe ser, figura.

II
Ver o cortejo de cedros
e acreditar que é o cenário.
Depois, estender a mão
através da longa perspectiva
oblíqua e poder apalpar,
na pele, que também os cedros
têm corpos húmidos, saliva,
à espera do Amor.


Fiama Hasse Pais Brandão




O Amor faz-se sol, toma-lhe o corpo, e logo, em oferenda, o corpo se dá, boca ávida de beijos.

Momento

(Pablo Picasso)

O instante luminoso de um abraço
Um bater de pestanas num olhar
Uns lábios pousados nos dedos
O eco de uma voz
Uma palavra 
Um sorriso
Uma carícia
Um grito
Um momento...

(Afrodite e Rogério, a inspirar o momento)


quinta-feira, março 26, 2015

Nudez

(wire-people-sculptures)


Estranha-se de si e deixa que os dedos procurem, na parte de trás da nuca, bem ali, no ponto onde o fecho encaixa, entre o crânio e a cervical. Segura-o pela pega, entre o polegar e o indicador, e puxa. Primeiro devagar, sentindo-o ceder, revelar cada elo da coluna. Que estranho sentir o frio da casa a entrar no osso, assim, desnudo. Logo, impaciente, abre-o com mais pressa. Tem que ajudar com a outra mão, já que passa pela lombar em direcção ao cóxis. Despega-se-lhe a carne dos ossos que ficam espantosamente limpos e reluzentes. As pernas, de seguida. Depois os pés. Jaz, no chão, um corpo desossado, como o de um peru para rechear (estranha imagem, essa, que lhe vem do Natal da infância). Só a cabeça se mantém intacta. Como se fosse uma excrescência, uma aberração. Olha-se ao espelho. De novo tacteia, desta sorte por baixo do cabelo. Lá está! O fecho mais pequeno e recôndito que, uma vez aberto, deixará o crânio exposto. De um gesto, abre-o. Juntam-se, no chão, a cara e o escalpe ao corpo inteiro. Limpa da carne, restam o esqueleto e  o cérebro. Ainda é muito. Ainda consegue pensar. 


quarta-feira, março 25, 2015

Intensidade

(François Boucher)


Maria Antónia amava tanto, com tamanha intensidade, que matava todos os amores.


sábado, março 21, 2015

Em reconstrução


Viver

Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?

E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?

Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?

O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?

Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?


Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'





Em reconstrução. Viver tem custos inesperados.

sexta-feira, março 20, 2015

Não voar

(Paul Pitsker)

De quando em vez, há que pensar antes de destinar o voo.




(vou andar um pouco, sem voar. até já)

Distracção





(Vincent van Gogh)


Arriba

más allá de las montañas

más allá de lo imaginable

Dios

como un pastor recién dormido sabe que en el fondo

que sus ovejas simplemente han estado jugando


René Morales Hernández



E talvez até se esteja a divertir à custa delas, o dissimulado.

quinta-feira, março 19, 2015

19 de Março


(Sandu LIBERMAN (1923-1977), Father And Daughter)

(...) Lembro-me de que essa manhã foi invadida por um aguaceiro desalmado, ouvia-se uma chuva grossa e pesada lá fora mas deve ter sido passageira porque quando acabou a Edite ainda estava ao telefone. A partir de então tudo o que sei é que me pus ao espelho da casa de banho a barbear-me com a passividade de quem está a barbear um ausente - e foi ali.

Sim, foi ali. Tanto quanto é possível localizar-se uma fracção mais que secreta de vida, foi naquele lugar e naquele instante que eu, frente a frente com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transferi para um Outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz da menor relação passado-presente, de imagem-objecto, do eu com outro alguém ou do real com a visão que o abstracto contém. Ele. O mesmo que a mulher (Edite, chama-se ela mas nada garante que esse homem ainda lhe conheça o nome, que não a considere apenas um facto, uma presença) exacto, esse mesmo Ele, o tal que a Edite irá encontrar, não tarda muito, a pentear-se com uma escova de dentes antes de partirem de urgência para o Hospital de Santa Maria e o mesmo que, dias depois, uma enfermeira surpreenderá em igual operação ao espelho do lavatório do quarto.(...)

DE PROFUNDIS, VALSA LENTA, José Cardoso Pires







Havia um homem forte, de mãos que entravam trabalho adentro com a vontade de um amante furioso. Não sei se algum dia terá dito "amo-te" ou se apenas terá abraçado sem palavras. Pequeno, era rebelde. Adulto, foi servil. Um dia, não era ele aquele que os outros viam. Talvez por dentro fosse o mesmo mas as palavras se tivessem tornado (ainda mais) difíceis. As mãos, essas continuam extraordinariamente fortes, a contrastar com o corpo, entrando abraços adentro.

quarta-feira, março 18, 2015

Partir

(Patrick Gonzales)


Nunca mais acabas de partir
é um horror a tua viagem
para longe de mim, o teu
regresso a uma vida onde
não tenho lugar, o teu
regresso a um lugar onde
não faço sentido, a tua
infinita partida, os teus
despojos por todo o lado,
é um horror tu dentro de
todos os poemas. 

Sarah Adamopoulos
   (retirado daqui)




Um dia, a partida anuncia-se e, surpreendentemente, a vida continuará a fazer sentido em lugares inimagináveis, ainda que ele continue presente em todos os poemas e a ela lhe cresçam no peito flores e na cabeça asas, como no tempo em que  era amada.

terça-feira, março 17, 2015

segunda-feira, março 16, 2015

Poesia

(Alessandro Dotti)

Quero ver para além do óbvio.




Pinto muitas telas 
  Odes delirantes 
    Estrofes assonantes 
      Sonetos com janelas 
        Ilhas onde há flores 
         Ardentes amores

domingo, março 15, 2015

Morte súbita

(Paulette Tavormina)

Tinha recebido a carta na Segunda-feira e, apesar de ser já Domingo, não a abrira. A letra elegante e levemente inclinada para a direita do endereço era-lhe por demais familiar. Fora buscar a correspondência, como era hábito, à caixa de correio do portão da quinta. Chovia. Havia uma quantidade infernal de prospectos publicitários e, no meio deles, o envelope branco, onde ressaltava a letra azul com o seu nome e endereço. Não constava remetente, nem seria preciso.
O almoço foi lauto. Mesmo sozinha, dera-se ao trabalho de assar uma perna de cordeiro com batatinhas novas, polvilhadas com tomilho, e de saltear grelos em azeite e alho. A ementa pedia um vinho tinto. Abriu uma garrafa de Chryseia 2009 e bebeu com prazer, deixando-a pela metade. O envelope, pousara-o frente ao prato, onde o podia ver. Já estava em mau estado, de ter sido guardado no bolso do casaco de malha durante dias.
"- Abro-o depois da sobremesa." pensou, enquanto escolhia um figo na fruteira.

Maria do Carmo abriu as janelas de par em par, deixando entrar o sol a jorros na sala. Era tempo de arrumar os pertences da mãe. A sua morte súbita deixara-a com um buraco no peito e a casa permanecera fechada desde o funeral, há mais de um ano. Na sala de jantar, chamou-lhe a atenção uma mancha branca junto à carpete onde assentava a mesa. Baixou-se para ver melhor e, puxando-a, descobriu um envelope com o nome da mãe e o endereço escritos a azul, numa letra elegante e inclinada para a direita. Tinha sido aberto cuidadosamente, pois não apresentava sinais de rasgado. Puxou a carta que continha. 

Meu amor

Nunca te esqueci. Soube-te só.
Amanhã, depois destes anos todos, abraçar-te-ei.

Teu,
José António




Nunca se chegaram a abraçar.

sábado, março 14, 2015

Dos interstícios de um texto

(Monica Fallini)


Encontraram-se por acaso nas esquinas de um texto. Tropeçaram nas palavras. Enlearam-se em paráfrases, metáforas, hipérboles. Fizeram novos textos. Tantos que nem se davam conta das histórias, dos enredos, dos detalhes minuciosos que teciam. Um dia, desfolharam um mal-me-quer. Mal-me-quer... Bem-me-quer... Mal-me-quer... Bem-me-quer... Ficou uma pétala e nenhum deles foi capaz de a arrancar. 


sexta-feira, março 13, 2015

Onde se pode ser feliz





Neste lugar, as árvores erguem-se em explosões de verde, à mistura com ramos descarnados, até tocarem o céu. Ao longe, o pontilhado do casario. 


quinta-feira, março 12, 2015

Sonhos


(Gregory Radionov©)


Dreams

Hold fast to dreams
For if dreams die
Life is a broken-winged bird
That cannot fly.
Hold fast to dreams
For when dreams go
Life is a barren field
Frozen with snow.


Langston Hughes




Agarra-te aos sonhos com unhas e dentes
Porque quando os sonhos se desvanecem
A vida é um pássaro de asa partida
Que não pode voar.
Agarra-te aos sonhos com unhas e dentes
Porque quando os sonhos se desvanecem
A vida é um campo árido
Congelado pela neve.

Langston Hughes, traduzido livremente por Maria Eu

quarta-feira, março 11, 2015

Reflexo

(Chris Hankey)


"Já não acredito em margens. E para quê levantar a cabeça, quando o céu está podre e não me sobra alma para cartografar a luz que se passeia, melancólica, pelas moradas antigas nos postais dos mares do sul. Vivemos de coordenadas fixas: não partimos sem destino, não buscamos sem gps, não nos perdemos. Também não nos encontramos. O tempo, hoje, não dura sequer uma estação. Repete-se (revende-se?) em décimas de segundo, recordes, episódios, temporadas, turnos, contratos, gerações, moedas que caem na ranhura do hábito em troca da canção errada. Vendi as lembranças já não me lembro a quem, cortaram os subsídios para o presente, ando a pagar os sonhos a prestações. Mas amo quem me ofusca e acentua depois a escuridão dentro de mim - uma espécie de fogo a crédito. Roubado."

in Revista Cão Celeste n.º2



De vez em quando, não somos senão o reflexo da luz intensa de alguém, iluminação provisória e perecível. Sós, fica a escuridão.

Coisas da Maria III




Daquilo que é caro à Maria: 


sol na cara; sorrisos abertos; pássaros em voos rasgados ; abraços apertados; mãos que se entrelaçam; beijos, todos; conversas; poesia; romance; escrever; sonhar; cinema; música; mar; estrelas; luar; cuidar; mimar; sexo; sonhar; calças de ganga; túnicas; blusas brancas; lingerie preta; tacões altos; lençóis de algodão; casacos confortáveis; sofás usados; bolacha maria com café com leite; café; morangos; maçãs com casca; uvas brancas; chocolate; viagens; brincos compridos; anéis grandes; écharpes; jogos de sedução; palavras ao ouvido; pequenos almoços na cama; dar e receber carinho; limonada; castanhas assadas com manteiga; mordidelas nos ombros; olhares frontais; apertos de mão vigorosos; desenhos animados; batôn de cor forte; perfumes leves; girassóis; cravos vermelhos; oliveiras; chuva de Verão; fotografia; pintura; canela; cor azul; unhas envernizadas; lápis dos olhos preto; jantares com amigos; dizer uns palavrões na hora certa; andar na areia molhada; posições firmes; água fresca; massagens; provocações; presentear; compras nas lojas de rua ; brinquedos; deitar-me tarde; levantar-me tarde; erotismo; passar a mão no cabelo do "meu" homem; verdades, mesmo que duras; rios; cantar; conduzir sem rumo; o(s) meu(s) amor(es). 


segunda-feira, março 09, 2015

Beijos, flor.

(Alex Gnidziejko)


Todos os dias, havia já alguns anos, recebia uma mensagem dele. Mandava-lhe beijos e chamava-lhe flor. Sabia que não responderia. Sabia que não a veria. Ainda assim, continuava a florir-lhe  de beijos o ecrã.


sábado, março 07, 2015

Geografia



Do reconhecimento da geografia das palavras resultara a sedução. No relevo do corpo, atravessado em gestos longos dos dedos feitos viajantes, revelou-se a paixão. Primeiro, ele. Depois, ambos. Depois, ela.
Caberia, nas viagens que faziam, o tamanho dos seus dois corações?



sexta-feira, março 06, 2015

Viajar


Desde pequena que lhe sobrava uma ânsia de partir. Quis saber, primeiro, como era o mundo. Levaram-na da casa com a varanda decorada a begónias para dormir num salão onde se perfilavam camas de ferro de um acanhamento só irmanado pelas mulheres que lhe ditavam as horas de deitar e levantar, vigiando-lhe os gestos diários. Aprendeu que nunca se obedece quando a liberdade periga. Pode-se, quando muito, fingir obediência enquanto se estudam formas de a boicotar.
Partiu, a seguir, para experimentar o sol a qualquer custo, em leituras pela noite fora. Todas menos as obrigatórias. 
Num Verão encontrou-se com a Língua Portuguesa de manhã até à noite, fechada, agora por vontade sua, com as palavras a sufocarem-lhe a voz e a esmagarem-lhe o peito de emoção.
Levava livros abraçados para a cama, ainda que fossem os que antes tinham sido obrigatórios.
Caía-lhe, então, o mundo em catadupa, na estreiteza do leito, alargando-lhe o horizonte para lá de todas as paredes, reais ou imaginárias.


quinta-feira, março 05, 2015

Laço carmesim

(Gabor Breznay)

Kuşum ve Ben

Kusum ve ben bir aynada
uyuyoruz, kafesimiz yatagimiz
yüzlerimiz eslerine baka baka
sonsuz kar altinda uyuyoruz
kusum ve ben.
Esim ve ben kizil bir bagla
bagliyiz birbirimize
Çözülürse yoksulluk sevinir

Aynamizin içinde tek bu bag...
Kizil kiskanç esim kusum ve ben...

Nilgun Marmara



My bird and I

My bird and I are fast asleep
reflected in a mirror, our cage our bed
our visages reflecting that of one another
we sleep beneath the eternally falling snow
my bird and I.

A crimson ribbon binds us – my mate and I
indelibly together.
Destitution would delight in its severance.

In our mirror there's naught beyond this bond...
This crimson tie between us -- my mate my bird and I...

Translation by Suat Karantay
(daqui)



O meu pássaro e eu

O meu pássaro e eu profundamente adormecidos
reflectidos num espelho, a nossa gaiola, nossa cama
os nossos rostos reflectindo-se um no outro
dormimos sob a neve que cai ininterruptamente
o meu pássaro e eu.

Une-nos uma fita carmesim - ao meu homem e a mim
indelevelmente juntos.
O desamparo regozijar-se-ia se esta se rompesse.

No nosso espelho há um nó para além deste elo
Esta fita carmesim que nos ata - o meu homem, o meu pássaro e eu...

Tradução, a partir da versão em Inglês, de Maria Eu



quarta-feira, março 04, 2015

Gelo

(foto daqui)


Insinua-se a morte por estes dias com uma agudeza gélida. Passeia-se pelas casas, acompanha alguns, com displicência, até ao hospital. De quando em vez ausenta-se, fica a fumar um cigarro, às vezes dois ou três, e então regressa e instala-se, definitivamente. 
É uma grande filha da puta, a morte! Diz que vai só ali matar o vício do tabaco para disfarçar...


Entrega

(Marc Chagall)


Enleados

Namorados

Ternos

Risonhos

Emocionados

Gorjeantes

Amantes




Escaldantes

Nus

Tectónicos

Ronronantes

Excitados

Gulosos

Amantes

segunda-feira, março 02, 2015

Nocturno


Grata a Luís Desenha


Visitava-a o amor noite adentro, em passos leves. Nunca o viu. Porém, de manhãzinha, havia sempre um pássaro em trinados doidos no beiral da janela do seu quarto.