(Dominault Evelyne)
Lar. Ventre, útero.
Fruto. Boca, dentes.
Leito. Sexo, esperma.
Âncora, porto. Par.
quarta-feira, abril 30, 2014
terça-feira, abril 29, 2014
Dormir
(Richard Tuschman's recreation of the painting of Edward Hopper through photograph)
De quando em vez, apetece-lhe fechar os olhos e dormir. De quando em vez, apetece-lhe fechar os olhos, dormir e não acordar mais. Assim, simplesmente.
Não que esteja particularmente cansada da vida mas talvez a vida esteja cansada dela.
Saudade
Às vezes, dá uma saudade de tudo e de nada... É então que nos perguntamos porque é que a saudade dói.
(Pablo Picasso)
domingo, abril 27, 2014
Juan, taxista, leitor de Saramago e Pessoa
Juan abre um sorriso ao meu «buenos dias» e, pouco depois de arrancar em direcção ao hotel, não resiste a perguntar-me de onde venho.
"Ah! Portugal!", diz, sorrindo ainda mais. "Festejam agora a vossa revolução! Tão importante que foi para a nossa Democracia! E souberam acertar as vossas contas. Já nós... sabias que Franco quis que os EUA enviassem tropas para esmagar as vossas ambições de liberdade? O «cabrón» do Kissinger! Mas parece que o Mário Soares lhe garantiu, a esse «cabrón de mierda», que ´não se passaria nada.", continuava, entusiasmado. "Pena estarmos divididos por uma fronteira. Somos tão parecidos!"
Sorri e disse "Sim,somos parecidos, mas os portugueses pouco se deixaram dominar por Espanha. Basta olhar para a História. Não ia ser agora..."
(Retrato de Felipe IV, rei de Espanha, Diego Velázques)
"Claro, «mujer! No te molestes!»" Juan fala agora da grandeza cultural de um país tão pequeno. "Gosto muito de Saramago, um «grandíssimo» escritor. E de Pessoa! Enorme!"
Foi livreiro 30 anos, este taxista entusiasta de política e de literatura. "«Tenemos que ganarlo, sabes? Los libros son bellos mas...»"
Deixo uns euros para além do preço da corrida. "Talvez compre um livro!", diz-me, em jeito de despedida.
quarta-feira, abril 23, 2014
Desafio
Retire-se o prefixo a "impossível"
Erga-se a espada, esqueça-se o medo
Colha-se a flor mais bela e mais alta
(Vyacheslav Mishchenko)
Contra a Esperança
É preciso esperar contra a esperança.
Esperar, amar, criar
contra a esperança
e depois desesperar a esperança
mas esperar,
enquanto um fio de água, um remo,
peixes
existem e sobrevivem
no meio dos litígios;
enquanto bater a máquina de coser
e o dia dali sair
como um colete novo.
É preciso esperar
por um pouco de vento,
um toque de manhãs.
E não se espera muito.
Só um curto-circuito
na lembrança. Os cabelos,
ninhos de andorinhas
e chuvas. A esperança,
cachorro
a correr sobre o campo
e uma pequena lebre
que a noite em vão esconde.
O universo é um telhado
com sua calha tão baixo
e as estrelas, enxame
de abelhas na ponta.
É preciso esperar contra a esperança
e ser a mão pousada
no leme de sua lança.
E o peito da esperança
é não chegar;
seu rosto é sempre mais.
É preciso desesperar
a esperança
como um balde no mar.
Um balde a mais
na esperança.
Um balde a mais
contra a esperança
e sobre nós.
Carlos Nejar, in 'Canga'
* Dando uns dias de descanso a este canto para "respirar".
Erga-se a espada, esqueça-se o medo
Colha-se a flor mais bela e mais alta
(Vyacheslav Mishchenko)
Contra a Esperança
É preciso esperar contra a esperança.
Esperar, amar, criar
contra a esperança
e depois desesperar a esperança
mas esperar,
enquanto um fio de água, um remo,
peixes
existem e sobrevivem
no meio dos litígios;
enquanto bater a máquina de coser
e o dia dali sair
como um colete novo.
É preciso esperar
por um pouco de vento,
um toque de manhãs.
E não se espera muito.
Só um curto-circuito
na lembrança. Os cabelos,
ninhos de andorinhas
e chuvas. A esperança,
cachorro
a correr sobre o campo
e uma pequena lebre
que a noite em vão esconde.
O universo é um telhado
com sua calha tão baixo
e as estrelas, enxame
de abelhas na ponta.
É preciso esperar contra a esperança
e ser a mão pousada
no leme de sua lança.
E o peito da esperança
é não chegar;
seu rosto é sempre mais.
É preciso desesperar
a esperança
como um balde no mar.
Um balde a mais
na esperança.
Um balde a mais
contra a esperança
e sobre nós.
Carlos Nejar, in 'Canga'
* Dando uns dias de descanso a este canto para "respirar".
terça-feira, abril 22, 2014
Cansaço
Mesmo quando olhamos o chão, curvados de infinito cansaço, o céu continua lá.
( ©João Pedro Marnoto)
O que há em mim é sobretudo cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
( ©João Pedro Marnoto)
O que há em mim é sobretudo cansaço
O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Álvaro de Campos
segunda-feira, abril 21, 2014
The Grand Budapest Hotel e Stefan Zweig
Wes Anderson adapta as palavras de Stefan Zweig e cria este mundo um pouco histriónico que gira à volta da personagem de um "conciérge" (brilhantemente interpretado por Ralph Fiennes) e que reflete o que Zweig recorrentemente referia nos seus livros; a decadência e a perenidade de um certo mundo burgês, o espectro da guerra e o drama da emigração.
Zweig, Austríaco oriundo de uma abastada família Judaica, viveu as duas Grandes Guerras e viu as suas obras serem queimadas pelos nazis. Pacifista, defendia valores essencialmente humanistas e uma Europa integrada.
Foi viver para o Brasil, onde se suicidou, conjuntamente com a mulher, em 1942, aos 52 anos, na sequência de uma depressão, desiludido com a guerra na Europa e com algumas acusações que lhe eram feitas, nomeadamente de que se teria "vendido" ao Brasil.
O filme The Grand Budapest Hotel tem um registo de comédia ácida, onde brilham actores de primeira água (Ralph Fiennes, Jude Law, Edward Norton, Adrien Brody, Jeff Goldblum, Willem Dafoe, Harvey Keitel, ...) e transporta-nos a esse ambiente de luxo, seguido de decadência, de uma forma subtil, não deixando de lado as referências à guerra e à emigração.
domingo, abril 20, 2014
Quando
(Oleg Zhivetin)
Quando tu vens, amor,
há uma explosão de luz.
Quando tu vens, amor,
meu corpo é maré viva
desfazendo-se em espuma
nas arribas escarpadas do teu.
Maria Eu
Quando tu vens ao meu encontro
sorrindo
sorrindo
Rosa precipitada
antigo Mar Vermelho
meu coração
abre-se
antigo Mar Vermelho
meu coração
abre-se
Ana Harherly
Quando tu vens, amor,
há uma explosão de luz.
meu corpo é maré viva
desfazendo-se em espuma
nas arribas escarpadas do teu.
Maria Eu
sábado, abril 19, 2014
Amêndoas
Saiu de casa num impulso. Anoitecia e nas ruas da cidade atropelavam-se turistas de uma Primavera que, apesar de ameaçar chuva, estava amena. Gostava de perder-se, sozinha, no meio da multidão. Conseguia pensar com mais clareza nessa solidão acompanhada, nunca percebera porquê.
Sabia-lhe a boca a amêndoas, mesmo que as não tivesse provado. Deu-se conta que era do cheiro intenso que a vendedora ambulante deixava escapar das gavetas abertas do carrinho onde se acolhiam as mais diversas espécies de amêndoas, desde as "francesas", às de chocolate, às de licor... Não lhe apeteciam, agora. O que lhe apetecia mesmo era ir ver as amêndoeiras em flor! Ir ver as amêndoeiras em flor e os olhos dele, cor de amêndoa.
sexta-feira, abril 18, 2014
Partir
De quando em vez, aquela vontade irresistível de partir.
(Eduardo Luiz)
Partida
Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me às vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.
Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam reflectir.
A minh'alma nostálgica de além,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a força de sumir também.
Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que são para o artista? Coisa alguma.
O que devemos é saltar na bruma,
Correr no azul à busca da beleza.
(...)
É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d'irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.
É suscitar cores endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d'alma ampliada,
Viajar outros sentidos, outras vidas.
(...)
Mário Sá-Carneiro
(Eduardo Luiz)
Partida
Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me às vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.
Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam reflectir.
A minh'alma nostálgica de além,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a força de sumir também.
Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que são para o artista? Coisa alguma.
O que devemos é saltar na bruma,
Correr no azul à busca da beleza.
(...)
É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d'irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.
É suscitar cores endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d'alma ampliada,
Viajar outros sentidos, outras vidas.
(...)
Mário Sá-Carneiro
quinta-feira, abril 17, 2014
Raio-X
Ao longo dos últimos anos, através de técnicas sofisticadas que utilizam espectrometria de fluorescência de macro raio-X
que permitem detectar pigmentos escondidos em camadas de tinta, descobriram-se obras surpreendentes por cima das quais foram pintadas outras. Talvez os autores não quisessem que alguma vez as vissemos por razões que nunca saberemos. Talvez as tenham rejeitado por não as apreciarem de sobremaneira. Ou, sem mais, apenas se tratou do aproveitamento de tela que serviu de rascunho.
Goya e Rembrandt são alguns exemplos famosos.
Retrato de Don Ramón Satué, pintado por Goya sobre o retrato de um general da cavalaria do exército Napoleónico.
Sob o rosto de um homem velho, com barba, de olhar triste, que tinha sido atribuído a um discípulo de Rembrandt, um esboço de auto-retrato do pintor.
E nós? Quantos esboços escondemos? O que descobririamos se houvesse uma sofisticada técnica de fluorescências que atravessasse as nossas "camadas"?
quarta-feira, abril 16, 2014
Da exuberância contida do amor
"Eu pareço
entusiástica, exuberante, mas é só por fora. É a minha forma
de me libertar das tensões que as pessoas mordem dentro de
si. Interiormente, tenho a imobilidade de um ídolo oriental.
Mas não sou fria. Sou até um ser profundamente afectivo.
Coloco o amor na sua totalidade - o Amor que compreende
Eros, Ágape (ou amor sublime), Líbido, e Fília (amizade).
Este amor é a própria essência da cultura portuguesa."
Natália Correia
(Francis Giacobetti)
A Arte de Ser Amada
Eu sou líquida mas recolhida
no íntimo estanho de uma jarra
e em tua boca um clavicórdio
quer recordar-me que sou ária
aérea vária porém sentada
perfil que os flamingos voaram.
Pelos canteiros eu conto os gerânios
de uns tantos anos que nos separam.
Teu amor de planta submarina
procura um húmido lugar.
Sabiamente preencho a piscina
que te dê o hábito de afogar.
Do que não viste a minha idade
te inquieta como a ciência
do mundo ser muito velho
três vezes por mim rodeado
sem saber da tua existência.
Pensas-me a ilha e me sitias
de violinos por todos os lados
e em tua pele o que eu respiro
é um ar de frutos sossegados.
Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"
no íntimo estanho de uma jarra
e em tua boca um clavicórdio
quer recordar-me que sou ária
aérea vária porém sentada
perfil que os flamingos voaram.
Pelos canteiros eu conto os gerânios
de uns tantos anos que nos separam.
Teu amor de planta submarina
procura um húmido lugar.
Sabiamente preencho a piscina
que te dê o hábito de afogar.
Do que não viste a minha idade
te inquieta como a ciência
do mundo ser muito velho
três vezes por mim rodeado
sem saber da tua existência.
Pensas-me a ilha e me sitias
de violinos por todos os lados
e em tua pele o que eu respiro
é um ar de frutos sossegados.
Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"
O Amor que se deseja inquieto e, porém, calmo.
O Amor que se deseja calmo e, porém, inquieto.
terça-feira, abril 15, 2014
Sabe-lhe
(Egon Schiele)
Sabe-lhe das mãos, esguias e hábeis
Pássaros voando no seu corpo
Sabe-lhe da boca, ávida e terna
Pétala aveludada sobre a sua
Sabe-lhe das palavras, longas, belas
Sinfonia num Allegro con brio
Sabe-lhe das mãos, esguias e hábeis
Pássaros voando no seu corpo
Sabe-lhe da boca, ávida e terna
Pétala aveludada sobre a sua
Sabe-lhe das palavras, longas, belas
Sinfonia num Allegro con brio
segunda-feira, abril 14, 2014
O actor Americano que era Mexicano mas recordamos como Grego
(Anthony Quinn, auto-retrato)
(Anthony Quinn - Indian Beauty Sculpture)
Antonio Rudolfo Oaxaca Quinn (Chihuahua, 1915 - Boston, 2001), um Mexicano que se tornou Americano e ficou conhecido como Anthony Quinn. Actor por excelência, tem no currículo 46 filmes, tendo ganho dois Óscares como actor secundário em Viva Zapata e Sede de Viver, foi como Zorba, o Grego que permaneceu na memória dos amantes do cinema.
Poucos conhecem a sua faceta nas Artes Plásticas. O homem que sabia meter-se na pele de tantos personagens, que dançou como um verdadeiro Grego, também pintava e esculpia.
(Anthony Quinn - Lovers)(Anthony Quinn - Indian Beauty Sculpture)
O emigrante Mexicano que trabalhou como talhante, foi boxeur, iniciou um curso de arquitectura e encantou Hollywood ao encarnar um Grego, sabia das coisas...
domingo, abril 13, 2014
Porque do beijo é dia, hoje e sempre que se queira
O Beijo
Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...
Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'
Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...
Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'
(António Carmo)
Há um beijo, solto, à procura de uma
boca
Esvoaça com o vento em louco rebuliço
Não poisa em qualquer face em que toca
Procura os lábios certos de um sorriso.
Maria Eu
Maria Eu
sábado, abril 12, 2014
Estranhos
(John Meyer)
Restava-lhes a luz pálida de um candeeiro e o desencanto da despedida. Que ninguém soubesse da paixão, da intensidade de horas idas, nem eles mesmos... Que se apagassem todas as palavras proferidas!
A(s) cor(es) do mar
Luana queria ver o mar. Contaram-lhe que o mar era muito mais do que aquilo que vira na televisão e, desde então, nunca mais sossegara.
"-Vô, leva-me a ver o mar!" pedia a cada dia.
Vô Carlos sorria e dizia: "- Quando fores capaz de me dizer de que cor é o mar, levo-te!"
"- Azul! O mar é azul, Vô!" respondia, confiante.
E Vô Carlos sorria e repetia: " - Quando fores capaz de me dizer de que cor é o mar, levo-te!"
"-Então não é azul, Vô? Verde, então, é verde!" dizia, excitada.
Mas Vô Carlos continuava a pedir-lhe a cor verdadeira do mar.
Um dia, Luana sonhou com uma praia de areia dourada banhada por águas de um mar cor do arco-íris.
No dia seguinte, Vô Carlos levou-a até ao mar. Chovera, à mistura com uns raios de sol. As águas reflectiam tons de verde, laranja, anil, vermelho, amarelo, azul e violeta.
"-Então é assim!" pensou ela, sorrindo, os pés descalços na areia molhada.
"-Então é assim!" pensou ela, sorrindo, os pés descalços na areia molhada.
sexta-feira, abril 11, 2014
Ficar
(Brian Martin)
Acabara de sair e hesitava, ainda... Voltou-se mais uma vez para trás, para a sala onde as velas começavam a apagar-se e as sombras dançavam com a luz fraca dos pavios quase extintos. Ficou ali, parada, sentindo o coração pulsar em tropel, sem conseguir partir.Sabia que, do outro lado da porta, ele podia calcular a sua indecisão. Sabia, ainda, que ele não se moveria. Ainda assim, ficou.
quinta-feira, abril 10, 2014
SE...
(Karen LaMonte)
Se me esqueceres
Quero que saibas
uma coisa.
Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.
Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.
Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.
Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.
Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.
Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"
Se me esqueceres
Quero que saibas
uma coisa.
Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.
Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.
Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.
Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.
Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.
Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"
Se um dia me não quiseres, amor, não me digas da doçura do adeus.
Diz-me, antes, da aspereza da despedida.
Se um dia me não quiseres, amor, diz-me da morte certeira das palavras,
do asfixiar dos beijos, do sufoco das lágrimas.
Parte!
Mas se me queres ainda, amor, nesta alegria imensa do querer, não digas nada.
Fica!
Maria Eu
Mas se me queres ainda, amor, nesta alegria imensa do querer, não digas nada.
Fica!
Maria Eu
quarta-feira, abril 09, 2014
Gratidão (para a Carla, em particular, e para quem me visita)
Obrigada, Uma Rapariga Simples!
Cruzamos os céus em barcos de quilhas perfeitas, como se fossem(os) pássaros.
Amor
(Lusia Popenko)
I'll close my eyes
Heaven sends
A song through its doors
Just as if it seems to know
I'm exclusively yours
Knowing this
I feel but one way
You will understand too
In these words that I say
I'll close my eyes
To everyone but you
And when I do
I'll see you standing there
I'll lock my heart
To any other caress
I'll never say yes
To a new love affair
Then I'll close my eyes
To everything that's gay
If you are not there
Oh, to share each lovely day
And through the years
In those moments
When we're far apart
Don't you know I'll close my eyes
And I'll see you with my heart
Songwriters: Reid, Billy / Kaye, Buddy
Porque o amor, se é amor, é assim, exclusivo.
I'll close my eyes
Heaven sends
A song through its doors
Just as if it seems to know
I'm exclusively yours
Knowing this
I feel but one way
You will understand too
In these words that I say
I'll close my eyes
To everyone but you
And when I do
I'll see you standing there
I'll lock my heart
To any other caress
I'll never say yes
To a new love affair
Then I'll close my eyes
To everything that's gay
If you are not there
Oh, to share each lovely day
And through the years
In those moments
When we're far apart
Don't you know I'll close my eyes
And I'll see you with my heart
Songwriters: Reid, Billy / Kaye, Buddy
Porque o amor, se é amor, é assim, exclusivo.
terça-feira, abril 08, 2014
Memória
Ruanda, 1994.
Hutus contra Tutsis. Caçaram-se homens, mulheres e crianças. Maridos assassinaram mulheres. Mulheres assassinaram maridos. Padres e freiras mataram os que procuraram asilo nas igrejas. O lado mais cruel do Homem. A miséria nunca vem só.
segunda-feira, abril 07, 2014
Voltar
"- Se voltasses atrás no tempo, o que farias?" perguntou, abraçando-a.
"- Voltaria aos vinte anos, rumava a Sul, até à Meia-Praia, e deixava que o vento e o mar me abraçassem como abraçaram Sophia." respondeu.
"-Quem sabe estou lá, à tua espera... Procura um papagaio colorido no céu!" retorquiu, estreitando o abraço.
(Inos Corradin)
Terror de te amar
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, abril 06, 2014
Oferenda
"Ah! Beija-me com os beijos da tua boca! Porque os teus amores são mais deliciosos que o vinho."
Cântico dos Cânticos1, Versículo 2
(Foto de Maria Eu)
Cântico dos Cânticos1, Versículo 2
(Foto de Maria Eu)
sábado, abril 05, 2014
Ardor
AMOR MUDO
Ardendo de amor, as cigarras
cantam: mais belos porém são
os pirilampos, cujo mudo amor
lhes queima o corpo!
Herberto Helder, in O Bebedor Nocturno
Mais belos, ainda, são os homens que ardem, cintilam e, por fim, ficam em cinza no corpo do seu amor.
Mais belos, ainda, são os homens que ardem, cintilam e, por fim, ficam em cinza no corpo do seu amor.
sexta-feira, abril 04, 2014
Tem cuidado ó pescador
Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela
Que é tão bela,
Ò pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela.
Onde vais pescar com ela
Que é tão bela,
Ò pescador!
Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela.
Mas cautela,
Ò pescador! Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ò pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge de ela
Foge de ela,
Ò pescador!
Ò pescador! Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ò pescador.
Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge de ela
Foge de ela,
Ò pescador!
quinta-feira, abril 03, 2014
Faz conta...
(Luís Noronha da Costa)
“Sabes o que é não sentir o coração e sentir o coração, tud’uma batida
só, sangue leve no peito e lágrimas limpas a escorrer? Faz conta foste
na pesca, rede e tudo, e em vez do peixe grande meteste a rede na água e
te veio uma nuvem? Se é impossível? Eu sei lá, avilo, eu sei lá… Desde
cadengue que ando então a ver as nuvens dançar nas peles do mar, e me
pergunto: assim calminho, liso tipo carapinha com desfrise, o mar não
tem nuvens dele também? De onde eu venho é muito longe, por isso, juro
mesmo, nasci de novo. Vou te confessar: espanto é só aquilo que ainda
nunca tínhamos vivido com nossa pele!”
Ondjaki, in Quantas Madrugadas tem a Noite
Era uma vez um pescador de nuvens. Ia de mansinho até ao mar e deitava a rede em dias de calmaria. Sim, porque o pescador queria nuvens brancas, diáfanas, e não cinzentas e escuras! Costumavam rir-se ao vê-lo passar, logo de manhãzinha. Mas ele limitava-se a sorrir. Só ele sabia como pescar nuvens e como ficava linda a sua casa, igual a um céu de verão.
Maria Eu
Era uma vez um pescador de nuvens. Ia de mansinho até ao mar e deitava a rede em dias de calmaria. Sim, porque o pescador queria nuvens brancas, diáfanas, e não cinzentas e escuras! Costumavam rir-se ao vê-lo passar, logo de manhãzinha. Mas ele limitava-se a sorrir. Só ele sabia como pescar nuvens e como ficava linda a sua casa, igual a um céu de verão.
Maria Eu
quarta-feira, abril 02, 2014
Coisas da Maria
A Maria gosta muito de:
Correr descalça na areia molhada, bem junto à rebentação.
Abraçar e ser abraçada sob um sol marítimo.
Tremer de amor nos braços de alguém.
Escrever. Escrever. Escrever.
Ler. Ler. Ler.
Ouvir música. E voltar a ouvir.
Rir a bandeiras despregadas.
Sorrir só de pensar numa pessoa.
Chorar de alegria.
Comer pudim e lamber os restinhos da colher.
Mimar quem gosta só porque sim.
Amar outras pessoas para além de todos os limites.
Andar à chuva e depois tomar um duche quente.
Usar batôn vermelho ardente.
Comprar um corpete sexy e usá-lo.
Ser direitinha por fora e meio louca por dentro.
Nunca dizer nunca mas ter sempre cautela.
Gritar numa manif até enrouquecer.
Lutar por si e pelos outros mesmo que praguejando.
Ir sem destino numa estrada e acelerar para lá da conta.
Calçar uns sapatos de tacão ainda que os pés lhe doam.
Empanturrar-se de chocolate e ficar cheia de remorsos.
Ser mimada.
Beijar na boca como se o mundo fosse acabar.
terça-feira, abril 01, 2014
Descrição do desejo
"Ela sorriu-se de maneira vaga, os lábios imóveis, os dedos a tocarem o sapato. Distinguia-o mal, adivinhava-o mais do que via, nu, a desejá-la tão intensamente, «a desejares-me tão intensamente que me doía», o cigarro aceso, quase esquecido, «o cigarro apagado que esquecias de acender», e ela correu o olhar pelas paredes intensas, de um azul total, violento, para voltar de novo, ou apenas agora «e encontrar-te imóvel, como que encandeado, a chama crepitante a queimar-me as pernas», o azul das paredes a confundir-se com os olhos dela assim iluminados, como que luminosos na penumbra trémula do quarto com grandes sombras projectadas no vazio, sombras irregulares, esguias, quentes, «o Verão no qual mergulhava os braços assim inclinada, perto do tampo redondo, baixo, da cadeira onde a vela na palmatória de prata, que ali puseras», onde a vela se desfazia tão lentamente que «só mais tarde daríamos por isso e eu nos teus braços estremeceria no escuro daquela casa que nos era estranha». Então ele procurava o isqueiro que acenderia só para lhe ver os olhos muito abertos no escuro, a boca «a minha boca no teu ombro esquerdo, metade da cara escondida pelo lençol, neste momento ainda liso, esticado."
Maria Teresa Horta, in Ambas as Mãos sobre o Corpo
(Loui Jover)
... e olhavas-me, intensamente, a procurar ler nos meus olhos abertos, de um espanto sempre renovado, as ondas de prazer que subiam em marés vivas pelo meu corpo, a adivinhar os lábios trémulos, a febre na pele.
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