segunda-feira, dezembro 24, 2018

Natal


Havia dias, demasiados dias, já, em que os monstros se demoravam pelas horas nocturnas, ensombrando-lhe os sonhos. 
Deu-se, então, conta que as jarras tinham azevinho, de algumas janelas evolava-se o cheiro doce dos fritos envolvidos em açúcar e canela e o calendário tinha a palavra Natal  escrita a vermelho vivo a pouco mais de um dia. Quisera ter-se alegrado na antecipação da ceia, do brilho no olhar das crianças à descoberta dos presentes, das horas lânguidas à roda da lareira... Não fossem as cadeiras vazias... 
Mas era quase Natal, tempo de anjos. Haveria anjos, decerto, sentados à mesa. 
Seria a noite derradeira para os monstros. Os seus sonhos seriam povoados por revoadas de asas brancas.

FELIZ NATAL!



terça-feira, dezembro 11, 2018

Monstros

(Flina, Deviantart)

Não sabia o que esperar. A vida assemelhava-se a um refluxo ácido e corrosivo, trazendo ao de cima os medos que a perseguiam desde a infância. Na escuridão dos recantos da casa desenhavam-se monstros projectados pela luz difusa dos candeeiros envolvidos em abjours opacos.
Vinham, rastejantes, olhos de fogo, trazendo os desgostos, os mortos, as dores.
Talvez fosse por eles, os seres que lhe enchiam as noites que, durante o dia, buscava a claridade das memórias luminosas. Talvez fossem contaminados e abandonassem o breu.