segunda-feira, agosto 05, 2024

Joana

 


Era sempre à sexta feira. Joana saía de casa ainda a aldeia toda dormia, vestida com roupas coloridas e cabelo primorosamente penteado em caracóis que lhe emolduravam o rosto precocemente envelhecido.

Foi num desses dias que a vizinha do lado, acometida de uma falta de ar insuportável, assomou à janela e a viu, assim arranjada, em passo apressado. Estranhou-lhe o preparo e, sem pudor, logo segredava com as mulheres que lhe faziam companhia no café da manhã o colorido do figurino de Joana e a hora deveras matinal a que saíra. De imediato se levantaram as mais variadas hipóteses. Teria ela um namorado secreto? Iria a algum evento na vila mais próxima?

Escusado será dizer que, a partir daí, os olhares curiosos começaram a ocupar as janelas bem cedo, por detrás das cortinas brancas, num concurso de espionagem, para ver quem mais rapidamente descobria o destino de Joana.

Era sempre à sexta feira. Joana arranjava-se como nos tempos de adolescente. Sentia-se um pouco ridícula, por isso saía bem cedo. Por outro lado, assomava-lhe um sorriso ao rosto enrugado pensando na alegria da mãe quando a visse chegar ao lar. Sabia que era assim que ela a recordava e reconhecia.


(Zeca Afonso - Canção de Embalar)