Estava-se a fingir de morto, o amor! Apanhou-os ali mesmo, onde o coração se escondia, desprevenido e vulnerável, parados numa obstrução do trânsito.
As palavras ditas de ti são as mais bonitas.
Estava-se a fingir de morto, o amor! Apanhou-os ali mesmo, onde o coração se escondia, desprevenido e vulnerável, parados numa obstrução do trânsito.
Aquecia-se com uma réstia de sol que rasgava, insistente, as nuvens cinzentas. O banco do jardim era de pedra e estava molhado, tivera que valer-se de um saco de plástico que usava para as compras para se sentar.
Respira devagar, a tosse persistente não lhe permite fazê-lo de outra forma. Sente o ar
frio a entrar, irritando-lhe a garganta, fazendo-a tossir de novo. Os passantes
olham-na de lado, os ombros sacudidos pelos espasmos, nariz e boca cobertos
pela máscara ffp2, afastando-se.
Fica só o frio, apesar daquele sol tímido que teima em não
se eclipsar.
(imagem daqui)
Passo a passo
fica um espaço
na calçada
Penumbra-se
a pedra mole
o coração
(Sebastian Fernandes/Artmajeur)
Sentava-se no lugar do costume,
na posição do costume, com os livros do costume, numa rotina cada vez mais muda.
Lentamente, parecia fundir-se com o cadeirão que, de dia para dia, ia tomando
paulatinamente a forma do seu corpo. Ou seria o oposto, e era ela que parecia
vestir a forma do cadeirão, arriscando-se a desaparecer na profusão de flores
cor de vinho do tecido?
A modorra da tarde quente
instalara-se na casa e nela. Gotículas de suor perlavam-lhe o corpo semi-desnudo,
na penumbra do quarto. Os lençóis brancos realçavam-lhe os contornos do corpo,
deixando perceber alguma flacidez muscular, denotando a idade. Havia algum
tempo que aquela cama lhe servia de refúgio nos Verões, cortinados corridos e
portas abertas em corrente de ar. Se o corpo aparentava calma, por dentro, era
um turbilhão! Anos felizes eram como um filme nas paredes brancas pouco
iluminadas, à semelhança dos que eram projectados no passado, em tela
portátil, nos longos serões familiares. As gargalhadas dos primos e amigos
sazonais, o cheiro intenso do bolo de canela acabado de sair do forno e do
licor de leite a fermentar na sala, as cantorias com a mãe durante os
preparativos do jantar e o olhar ternurento do pai quando achava que as “suas
meninas” estavam mais desatentas.
Chegam-lhe as gargalhadas das meninas e meninos, herdeiros dos tempos felizes. O relógio da torre da igreja bate 6 vezes. É hora de se levantar e juntar mais memórias doces, com novos personagens.