Maria Antónia tinha crescido a ouvir a recomendação de que enfrentasse a vida como se fosse fazer uma pega de caras e a agarrasse com força pelos cornos.
Começou por fazê-lo, mas não entendia nada de touradas!
Em pouco tempo, escolheu a doçura para viver os seus dias.
A vida, breve,
corre qual cavalo com o freio nos dentes. Sentes-lhe o tropel, a velocidade
desenfreada com que os dias te descoloram o cabelo e te salpicam a pele de
leves manchas acastanhadas. Às vezes, tropeças numa ou outra hora mais longa, num
instante luminoso. Quedas-te aí, lutando contra o tempo, sorvendo a alegria, a
ternura, a beleza. Dás por ti a atrasar o relógio. Mais do que isso, tens dois
relógios, um que pára de quando em vez e o outro cujos ponteiros se assemelham
aos de um desenho animado, sempre a correrem. É no que pára, no que dizem estar
avariado, que reside a glória da vida.
Olhou as mãos como se nunca as tivesse
visto antes. Esticavam-se, dedos cerrados ao redor das asas dos sacos de
plástico (recicláveis, claro), numa tensão visível pelos nós dos dedos
salientes e pelas marcas avermelhadas que se iam afundando no peso. Viam-se, ainda assim, rugas a cruzarem as veias azuis que corriam, salientes, como pequenos rios, levando vida até ao mar do coração.
Há muito
que não se dava conta do passar do tempo. Desviou o olhar como que a regressar
à imagem das suas mãos lisas, estrelando os mesmos anéis, sempre em voos picados a acompanharem as palavras, ou em gestos de ternura