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Há muito tempo que Joana estava posta
em sossego. O coração batia sempre ritmado, a um compasso saudável
e controlado. As rotinas diárias eram cumpridas sem entusiasmo, mas
com a dedicação suficiente para que ninguém pudesse acusá-la de
negligência ou preguiça. Mesmo a casa era mantida escrupulosamente
arrumada e limpa.
De entre as rotinas, a ida à
biblioteca do pequeno jardim, logo ao virar da esquina do seu local
de trabalho, era a favorita. Mesmo em pleno Inverno, o abrigo de
vidro grosso permitia-lhe uma leitura tranquila.
Até que uma dia... Um dia, entra pelo
abrigo dentro António José. Homem de grande estatura, cabelo
comprido, grisalho, apanhado num rabo de cavalo, a encimar o rosto
tisnado, marcado por algumas rugas, vestia de couro da cabeça aos
pés. Só depois Joana o ligaria com a moto pesada estacionada no
passeio em frente quase todos os dias. E não é que o homem tropeça,
caindo aparatosamente aos seus pés, interrompendo-lhe a leitura da poesia de Maria Teresa Horta?
“Morrer de amor ao pé da tua boca
(...)”
Estas palavras ainda nos olhos e
António José a levantar-se, na sua frente, tão perto que os seus
rostos quase se tocavam.
Não se sabe o que disseram, nem como
ambos, de tão diferentes, se demoraram em palavras, sorrisos, e num
apertar de mãos a eternizar-se na despedida. Sabe-se, sim, que Joana
se atrasou naquele dia, contrariando a rotina, mas que as tarefas
foram realizadas com tal entusiasmo que estavam prontas muito antes
da hora de saída.