terça-feira, junho 17, 2014

Geminação

(© Dori Caspi)


Desossaste-me
cuidadosamente
inscrevendo-me
no teu universo
como uma ferida
uma prótese perfeita
maldita necessária
conduziste todas as minhas veias
para que desaguassem
nas tuas
sem remédio
meio pulmão respira em ti
o outro, que me lembre
mal existe
Hoje levantei-me cedo
pintei de tacula* e água fria
o corpo aceso
não bato a manteiga
não ponho o cinto
VOU
para o sul saltar o cercado

Ana Paula Tavares

* Tacula: árvore africana com veios carmesim brilhante, usada para fazer tintos. Alguma tribos africanas, nomeadamente angolanas, pintam o corpo com uma tinta que fazem a partir dela.


Existo. Faço-me uma a cada dia com metade de mim. Inteira e dividida. Vejo o rio mesmo que o não veja. Respiro aqui e aí. Meio pulmão enxertado no teu. 

6 comentários:

  1. A mulher, deixando-se subjugar, ou subjugando-se de livre vontade... deixa de ser ela mesma, de ter vida própria, respirando até o ar que "o outro" respira...
    Belo poema (que entendo como denúncia...) dessa grande poetisa angolana.

    Beijinhos

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    1. Tem poemas maravilhosos, sim! :)

      Beijinhos Marianos, Mariazita! :)

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  2. Caramba, Maria, mas onde é que tu aprendeste a 'dessossar' estas coisas da poesia?
    Serei sempre falha, nisto de escrever.
    Falta-me isto.

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    1. Oh, melheri, eu não desossei, só escrevi aquela parte pequenina no final! :)
      Adoro poesia. Ficou-me da universidade. Línguas... :)

      Beijinhos Marianos, Uvinha! :)

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  3. Somos sempre mais do que aquilo que aparentamos
    ou queremos, ou vemos
    Se és duas
    sortes tuas
    Eu, daqui onde me vês
    somos três
    E não sei onde param
    meu coração
    minha razão
    meu coração
    todos se estão enxertando

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    1. Somos sempre, a um dado momento, enxertos de algo ou de alguém! :)

      Beijinhos Marianos, Rogério poeta! :)

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