sábado, janeiro 04, 2014

Terna saudade

SAUDADE
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
sói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono


Mia Couto

 (Cícero Dias)

Quando me faltas, cego.

14 comentários:

  1. Estou no meu ritual diário, tomar café e ir lendo blogs. Deixaste-me de sorriso na cara ao ler o poema e a forma como o terminas :
    :)

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    1. :) Mia Couto é muito terno, sempre. E, sem o nosso amor, ficamos privados dos sentidos, até da visão. :)

      Beijinhos Marianos, e obrigada pela presença! :)

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  2. Mia Couto é a minha leitura atual. É sempre uma leitura apetecível...mas não fico cego quando me falta :P

    Beijinhos

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    1. Bem... A cegueira é metfórica e não é propriamente na falta do Mia Couto que acontece! :P

      Beijinhos Mraianos, JP! :)

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    2. Eu percebi menina...mas não quis ir por aí :P

      Beijinho

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    3. Claro que sim! Estava só a brincar! ;)

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  3. Obrigada por nos enfeitar este fim de semana chuvoso com um poema belíssimo do grande Mia Couto.

    Grande abraço, Maria

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    1. Mia Couto é sempre uma beleza... :)

      Beijinhos Marianos, São! :)

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  4. Uma saudade que dói e cura.

    beijinhos

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    1. Que nos enche o coração.

      Beijinhos Marianos, Pérola! :)

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  5. Mia Couto no seu melhor.

    O Cícero estaria a pensar em quê quando fez o quadro? :)

    Beijos observadores.

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    1. Ora, pensava em descansar! Não viste que o quadro se intitula "descanso"? :P

      Beijinhos Marianos, Observador! :)

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  6. Mia Couto é meu irmão

    Quando me chegas, cego
    Tão grande era a ausência...

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