quarta-feira, janeiro 01, 2014

Malmequeres amarelos

(Marlene Lee)
  
Há muito que não visitava a casa que em tempos fora sua. 
Aproximou-se, o portão estava fechado a cadeado. Ergueu-se em bicos de pés tentando ver a varanda onde se debruçara tantas vezes para olhar o caminho por onde viria Carlos. Lá estava o parapeito, levemente desgastado pelos cotovelos das mulheres que, como ela, se tinham debruçado horas e horas em esperas. A tia Luísa, oito anos noiva, a quem o garboso namorado tinha abandonado no altar e que nunca mais deixara de permanecer pelas tardes na varanda, de olhar perdido no horizonte, até morrer. A prima Anitas, loira, de olhos verdes, sempre tão cortejada, que se ia demorando noite dentro, em mímicas complexas, com os inúmeros rapazes que vinham de aldeias distantes flirtar com a jovem de beleza inigualável e que, um dia, foi expulsa de casa pelos pais ao encontrarem o Aspirante Macedo adormecido nos seus braços. Quantos mais teriam subido pelo caramanchão que tanto embelezava a pedra escurecida pelo tempo? 
Suspirou. Carlos também subira muitas vezes, a coberto da noite, seguindo-a, de sapatos na mão, até ao quarto onde se entregavam um ao outro com ardor, a cada vez como se fosse a última. Era tudo tão intenso que, no íntimo, adivinhavam que não poderia ser para sempre. Por isso se beijavam fundo, se tocavam longamente, se mordiam, arranhavam, penetravam, quase como que numa luta contra o tempo que sentiam a fugir-lhes.
Virou as costas ao portão. No carro, as flores que colhera no caminho para pôr nas jarras de casa. Eram malmequeres amarelos e ela sabia que o João gostava de ver a casa enfeitada com aquelas flores.

12 comentários:

  1. ... tudo tem o seu tempo... Há nesta cronica o que gosto, um realismo perfumado de amarelo que,aqui, nem sequer é a cor do desespero!

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    1. Obrigada, Rogério! :)
      O tempo é feito de muitas histórias e estas nem sempre podem eternizar-se. Contudo, não deixam de ser histórias felizes.

      Beijinhos Marianos! :)

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  2. Os malmequeres ficam sempre bem, até no quarto onde há essas entregas que bem relatas :))

    Um feliz 2014.

    Beijinho

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    1. É uma flor campestre muito bonita, sim!
      Obrigada, JP, o mesmo para ti!

      Beijinhos Marianos! :)

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  3. Todas as histórias de amor são lindas e todas merecem ser contadas.... Durem elas uma noite ou a eternidade. O link é genial e Enya é lindíssimo! Parabéns pela escrita. Adorei

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  4. Quanto mais a gente se entrega, maior é o pânico de estar sozinho na doação.

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  5. Lembranças? Fala-se de lembranças e de como elas podem transformar-se em literatura.

    Um beijo

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    1. Mero exercício de escrita...

      Beijinhos Marianos, Lídia! :)

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  6. Todas as flores se desfolham

    até os malmequeres
    Bj

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