30 anos sem Ary. Uma eternidade com as suas palavras.
(de Nezart Design)
Caminharemos de Olhos Deslumbrados
Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
O gosto a sol e a sangue dos sentidos.
Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.
No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.
Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!
Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.
Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.
Nus e ensanguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
E coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.
Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'
* Publicado depois de ver a homenagem n' O Puma.
A Lídia, amiga nossa, colocou-me um comentário no poema por mim publicado e que faz sentido partilhá-lo aqui depois do que li:
ResponderEliminar"A força está no ritmo, no domínio pleno da linguagem ou na alma de um Poeta por inteiro?" Eu diria que das três, mas às quais junto uma quarta: a força que lhe vem da certeza de que um mundo melhor se faz de generosidade e com luta!
É um poeta de excepção e tinha a vontade de nunca baixar os braços!
EliminarBeijinhos Marianos, Rogério! :)
Deixou muito, isso conta!
ResponderEliminarBeijinhos:)
E este poema, em particular, é absurdamente belo!
EliminarBeijinhos Marianos, je suis...noir! :)