domingo, dezembro 29, 2013

Inquietação



     (A persistência da memória - Salvador Dali)

Acordara com a estranha sensação de estar a viver dentro de um sonho. Lavara a cara com água que devia estar fria e não sentira sequer um arrepio. Pensando bem, não sentira, sequer, a cara molhada. Tomara duche, penteara-se, barbeara-se, vestira-se. Sim! Sabia que tinha feito tudo isso e, porém, ao passar pelo espelho nada via. Nem a camisola vermelha se reflectia na superfície lisa iluminada pela luz do sol que entrava pela janela do quarto. Desceu as escadas que levavam até à rua fronteira à casa de dois em dois degraus. Ouvira a voz da Ana e queria vê-la. Queria tanto vê-la que quase tropeçou numa pedra irregular do passeio. Ana aproximava-se, sorrindo, como lhe era habitual. Um sorriso aberto, límpido. Ele olhou-a, parado no meio do passeio, e atirou um "Bom dia, Ana!". Ela passou bem rente a ele e nem pestanejou, o sorriso inalterado, os passos certos e ritmados que lhe davam o ar elegante que ele tanto admirava. Cabisbaixo, regressou ao quarto e foi então que se viu, deitado na cama, num sono aparentemente tranquilo...

4 comentários:

  1. (aprendo depressa a gostar de coisa de bom gosto. Estou quase fã de Nick Cave...)

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    1. Nick Cave vale a pena. :)

      Beijinhos Marianos, Rogério! :)

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  2. A morte surge sem eufemismos, incontornável assim como a inquietação de uma alma inquieta.
    Belo texto Maria e com a música de Nick Cave fica *****

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