Ana nascera num tempo em que as mulheres cresciam em malhas apertadas, ensinadas pelas mães e vigiadas de perto pelos pais e pelos irmãos. Adorava cantar e dançar. Fazia-o à socapa, ensaiando passos irreverentes no quarto, ao som da telefonia que o irmão mais velho ouvia no sótão, e deixando a voz soltar-se a plenos pulmões nas correrias pelos campos. A mais nova de dez irmãos, foi-os vendo partir, de festa em festa de casamento, embalada no sonho de ser levada também por um homem garboso que soubesse dançar e lhe desse filhos aos quais embalasse com canções. Ele veio, o seu homem. Bonito, garboso, apaixonado. No enxoval, uma máquina de costura e uma telefonia. Ana mal podia esperar pelas noites em que, depois de jantar, arrumada a cozinha, ele a abraçasse pela cintura e a arrebatasse em danças sem fim.
Ana não sabia que aquele homem, tal como o pai e os irmãos, nunca iria deixá-la dançar, que isso de dança era no namoro. Ao menos, suspiraria ela uns anos depois, enquanto costurava um vestido às pregas e ouvia histórias de amor na telefonia, ao menos pude embalar os meninos cantando.
Mas isso só não chega, nunca chega.
ResponderEliminarE depois vem a tristeza e o arrependimento, o tal arrependimento por aquilo que nunca se fez.
Houve e ainda há muitas Anas por aí, infelizmente.
ResponderEliminarBeijo, Uvinha! :)
O duo máquina de costura Singer / rádio Philips: máquinas de criar sonhos, máquinas de adiar sonhos.
ResponderEliminarBoa noite Maria :)
Tantos sonhos nessas horas a dar ao pedal. Parece que volto à infância e oiço essa batida ritmada...
EliminarBeijo, Xil! :)
Não são velhas
ResponderEliminarsão jovens com experiência
Talvez, Puma.
EliminarBeijos. :)
Se esta "Singer" cantasse, muitas histórias de tempos em que as mulheres eram simplesmente proibidas, iríamos conhecer !
ResponderEliminarImensas, Ricardo, sem dúvida!
EliminarBeijos. :)
Ana, conformada, dançava ao ritmo do pedal da máquina de costura.
ResponderEliminarUma dança entristecida...
EliminarBeijos, Luísa! :)
Ainda há tantas prisões onde vivem mulheres que apenas sonham. Mas não é fácil gritar e decidir mudar. Nem sempre é facir :)
ResponderEliminarBeijos Maria :)
Nunca é fácil.
EliminarBeijos, I! :)
Nem o desejo era consentido. O poder era legitimado pela religião. Tudo era pecado.
ResponderEliminarMuito bem, Maria.
E, na cabeça de muitas, continua a ser tudo pecado...
EliminarBeijinhos, Agostinho! :)
Horas adentro da noite fazia companhia à minha Mãe olhando-a costurar os vestidos e sais na sua Singer, para as senhorecas como ela dizia. Trabalhava desde que se levantava - doméstica! Vidas de mulheres especiais nas nossas vidas...
ResponderEliminarTantas e tantas mães em sonhos sem futuro!
EliminarBeijinhos, Madagascar, e obrigada pelas palavras. :)
Tál como esta velha... "Singer", antigas situações que infelizmente por vezes ainda são vividas actualmente!
ResponderEliminarE ainda estão em muitas casas, as "Singer". Hoje há as escravas do aspirador, do forno XPTO, das cafeteiras Nesspresso, e da TV.
EliminarBeijinhos, Legionário. :)
Um texto que retrata uma realidade com alguma proporção em pleno século XXI.
ResponderEliminarDeixo bem haja para ti Maria :))
Somos um país de antanho, Sandra!
EliminarObrigada. Um beijo. :)
Raro era que nesse tempo houvessem condições de avaliar a sinceridade do amor de alguém.
ResponderEliminarHoje, embora menos severo e preconceituoso o contexto, a incapacidade é semelhante.
Hoje, embalam-se os meninos ao som baixo da telenovela, não tirando os olhos dela.
(não sei se recebeu o meu sms.
se aconteceu, não parece)
Exactamente, Rogério!
ResponderEliminar(sms?? essa agora é que me deixou boquiaberta. não sabia que tinha o meu nro de telemóvel)
Beijinhos. :)
...e claro que não tenho!
EliminarAh, Maria... tantas Anas que ainda caem na esparrela do "homem bonito, garboso, apaixonado" e se acabam com uma Singer e/ou com um alguidar de roupa e/ou tachos e panelas e filhos para criar-homem para amar e vida "cadê-la?" - não pense alguém que isto já não se usa nos dias de hoje.
ResponderEliminarMuito bom. Gostei demais.
bjn amg
Muitas, mesmo...
Eliminar(muito, muito obrigada)
Beijo, Carmem. :)
EScreve-se muito bem por aqui... A minha avó tinha uma destas, que passou para a minha mãe...restaurei-a o ano passado...Ai as memórias...
ResponderEliminarObrigada, Luís. :)
EliminarAs memórias são tramadas...
Beijinhos. :)