sexta-feira, outubro 30, 2015

A menina investigadora/repórter


(Charles Burton Barber)

Clarinha tinha uma atracção especial por descobrir recantos na casa da quinta. Já contornara a vedação do curral da porca grande para meter a mão por entre as vigas e fazer festinhas aos leitões (espetava, o pêlo branquinho); já abrira a porta de acesso ao galinheiro e espantara galinhas, galos e pintainhos, dando azo a correrias da mãe e da vizinhança possível de arrebanhar, para a empreitada de meter as aves todas no sítio devido; já soltara os cães de caça e ia provocando uma desgraça, pois o Mancha Negra, lançado, correu para a estrada e por pouco não foi atropelado... Enfim, uma menina atrevida que levara algumas palmadas no rabo à conta de tanta vontade de "descobrir"!
Do alto dos seus cinco anos, cabeça coberta de fios de ouro, sempre atados em rabo de cavalo por um laçarote de cetim, e roupa protegida por bibes de riscas ou de quadrados feitos pela mãe na máquina Singer, sentia-se de vez em quando a investigadora/repórter dos mistérios que se desenrolavam por detrás de grades, portas, portões, janelas, e, até, de muros.
- A menina não fez nada! dizia, com ar comprometido, ao chegar a casa depois de uma qualquer "descoberta" com fuga de prova viva (também houve coelhos à solta, para além das aves).
Bem ia com a palmadas da mãe, suavizadas pela roupa. O pior foi aquele dia em que o pai se zangou a sério! A voz forte ecoava pelo quintal:
- Maria Clara! Maria Clara!
Ela ficou quietinha, encolhida por baixo da japoneira. Sabia bem que se o chamamento era feito pelos dois nomes e não por Clarinha, ou mesmo Clara, a coisa era séria!
A voz agigantava-se, aproximando-se, e o pai não tardou a descobri-la. Na mão, trazia a espingarda que usava para caçar. A mesma que ela tinha tirado do armário dos fundos, depois de ter espreitado onde ele guardava a chave, ao Domingo, em chegando da caça. 
Nunca o vira tão desfigurado! Pegou-lhe por um braço, magoando-a, e arrastou-a para casa, atirando-a para o chão da sala.
- Vês esta arma? gritou-lhe, encostando-lha à cara lavada em lágrimas. Vê-a bem! Nunca mais vais tocar numa arma, ouviste? Esta nunca está carregada mas podia estar. Eu podia ter-me distraído. Podias morrer! Podias morrer, ouviste?
Dito isto, desatou num choro convulsivo e sentou-se no chão, ao lado dela, abraçando-a com tanta força que quase não lhe permitia respirar.
Nunca tinha visto o pai chorar!


Clarinha não voltou a abrir armários fechados à chave. Maria Clara só os abriu quando foi necessário.


quarta-feira, outubro 28, 2015

Viagem




Hoje, finalmente,  ganhei coragem e dei-te a mão. Não estava bom tempo, tremia, os olhos marejaram-se-me de lágrimas e apertei a tua mão na minha ali mesmo, no lugar onde, ano após ano, trabalhámos,  conversámos, sorrimos e, algumas vezes, também chorámos.
Esqueci aquela regra (existe, ainda que não publicada em lado algum) que diz não deverem um homem e uma mulher, adultos, dar as mãos assim, do nada.
Devia tê-lo feito quando me disseste que não vacilasse, naquele outro dia. Que me sabias capaz para dar um passo em frente. Ainda, quando te disseste bem, lendo eu nos teus olhos que estavas mal (covarde, fingi acreditar).
Perdoar-me-às, estou certa, com esse teu sorriso sempre doce, que só agora caminhe contigo, aninhando a tua mão na minha, até à Luz, só para te ver partir, blusão de couro, a acelerar na tua moto.


Da ausência

(Asia Jedlińska)

A Partir da Ausência

Imaginar a forma 
doutro ser Na língua, 
proferir o seu desejo 
O toque inteiro 

Não existir 

Se o digo acendo os filamentos 
desta nocturna lâmpada 
A pedra toco do silêncio densa 
Os veios de um sangue escuro 

Um muro vivo preso a mil raízes 

Mas não o vinho límpido 
de um corpo 
A lucidez da terra 
E se respiro a boca não atinge 
a nudez una 
onde começo 

Era com o sol E era 
um corpo 

Onde agora a mão se perde 
E era o espaço 

Onde não é 

O que resta do corpo? 
Uma matéria negra e fria? 
Um hausto de desejo 
retém ainda o calor de uma sílaba? 

As palavras soçobram rente ao muro 
A terra sopra outros vocábulos nus 
Entre os ossos e as ervas, 
uma outra mão ténue 
refaz o rosto escuro 
doutro poema 


António Ramos Rosa, in "A Nuvem Sobre a Página"



Sobram as palavras na falta da presença.

terça-feira, outubro 27, 2015

O leip-bya (texto reeditado)

"O leip-bya é uma espécie de espírito, com asas como uma borboleta, mas voa de noite. (...) Há birmaneses que dizem que a vida de um homem se encontra num espírito que é como... uma traça. O espírito fica dentro do corpo, o homem não pode viver sem ele. Os birmaneses também dizem que o leip-bya é a razão por que sonhamos. Quando um homem dorme, o leip-bya sai-lhe da boca e voa de um lado para o outro e vê coisas durante essa viagem e essas coisas são os sonhos. O leip-bya tem sempre de regressar para dentro do homem pela manhã. É por isso que os birmaneses não querem acordar as pessoas adormecidas. Talvez o leip-bya ainda esteja longe e não possa voltar para casa com a rapidez suficiente. (... ) Se o leip-bya se perder ou, se durante a viagem for apanhado e comido por um bilu... como é que se diz?... um espírito maligno... então é o último sono desse homem." 

Daniel Mason, in O Afinador de Pianos


 (Carmelo Blázquez Jiménez)

Se vires uma borboleta a sair da boca de um homem, segue-a e saberás os seus sonhos.
Se vires uma borboleta a entrar na boca de um homem, não o perturbes, são os seus sonhos a invadi-lo.


segunda-feira, outubro 26, 2015

Ternurar

(Chagall)

Ternurar - verbo transitivo
Significado - Trocar ternura.

Exemplo: Ficavam ali, um ao lado do outro, corpos enlaçados, olhos nos olhos, palavras doces à solta, a ternurar.


sexta-feira, outubro 23, 2015

Da ternura e da raiva

(Jack Vettriano)


Eu tenho raiva à ternura. Eu tenho raiva de ter raiva à ternura. 
Eu tenho a doença da ternura por ter raiva. Eu tenho tudo
excepto a ternura. Eu não tenho ternura e sofro de inveja de
quem tem ternura. Eu já só tenho raiva. 
Manuel Cintra




Eu sou terna, mesmo na raiva. Eu tenho raiva de ser terna na raiva.
Eu tenho o dom da cura da raiva por ser terna. Eu tenho tudo excepto a raiva. Eu não tenho raiva e sofro 
por quem a tem. Eu já só tenho ternura.

Maria Eu


quarta-feira, outubro 21, 2015

Ferida

(Arantzazu Martinez)


Fere-me a morte lenta dos heróis que lutam, sem tréguas, contra a opressão.
Fere-me o excesso de brilho dos que oprimem quando só das trevas se alimentam.


terça-feira, outubro 20, 2015

Irmã

(Iman Maleki)

Foi com ela que aprendeu como brincar às meninas que não tomam chá mas comem bolos de boca cheia rindo às gargalhadas. Foi com ela que se maravilhou com os primeiros collants finos por baixo de uma mini-saia de pregas. Foi na carteira dela que encontrou aquele maço de cigarros longos e castanhos (Negritas, se bem se lembra) de onde retirou um para fumar (engasgar-se é o termo) às escondidas, no telheiro. Dela, era o eye-liner com que delineou o olhar pela primeira vez. No ombro dela, chorou os joelhos esfolados na queda do muro ao fugir do cão do Sr. António da Mata, encostou a cabeça cansada nos dias de exames, se recostou, entre suspiros, a contar do primeiro amor, espreitou as linhas de romances clássicos.
Olha-se, agora, ao espelho, tantos anos volvidos e, sem estranheza, vê em si muito dela.


domingo, outubro 18, 2015

Vai!


(Hope Gangloff)

Cântico


Limarás tua esperança
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.

Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.

Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo.

Carlos Nejar, in 'Canga'





Incitamento

Vai, para além de ti! 

Do desespero nunca te aprisiones
Ainda que hoje haja borrasca
Ainda que o vento teime em arrastar-te
Ainda que o frio te chegue aos ossos.

Vai, de peito aberto!

Da esperança não sejas ignorante
Do coração a bater, desperto
Dos desejos perseguidos, vivos
Dos sonhos em plena luz do dia.


Maria Eu


sábado, outubro 17, 2015

Perdoar

(Black raptor art)

O calor abrasava, por aqueles dias, na aldeia. Mariana brincara o dia inteiro em correrias pelos campos e gargalhadas partilhadas com a criançada da vizinhança. Nunca se apressava no regresso a casa. Costumava ir espreitar os animais, vacas, porcos, galinhas, coelhos e, claro os seis cães que tanto acompanhavam o pai nas caçadas como a rodeavam a pedir mimo.
Foi ao chegar às pocilgas que percebeu algo de estranho. A porca maior, que tinha acabado de parir dez porquinhos (ainda de manhã os tinha visto em esfomeada pose a mamar na mãe, deitada no chão, meiga que só visto) estava a ser encaminhada para uma carrinha de caixa aberta onde já estavam os outros porcos da exploração agrícola. Viu a expressão do pai, fechada e tensa. 
- Vai para casa, menina! A tua mãe já deve estar ralada! Já viste as horas?
Em casa, o jantar decorreu em silêncio, à excepção dos suspiros da mãe que, a cada passo, punham o pai a olhá-la com um ar de censura.
- Mãe, o que tens?
- Nada, filha! Só estou cansada! Vamos para a cama cedo, sim?
Deitada, percebia uma agitação que não se confinava aos de casa. A aldeia fazia eco de vozes e guinchos a assemelharem-se aos contos de terror que o primo Zé costumava contar nas noites longas de Verão. Levantou-se, a medo, e assomou à janela. Não muito longe, o céu iluminava-se à luz de fogueiras e o ruído intensificava-se com as vidraças abertas. O ar estava irrespirável com um cheiro acre.
De manhã, soube que todos os porcos da aldeia tinham sido levados para um campo abandonado e mortos, um a um, com uma pistola especial, diziam, para depois serem queimados e enterrados. 
- Mãe! Mãe! E os porquinhos, mãe? 
- Tinha que ser, filha, era a peste!
- Nunca mais perdoo o pai! Nunca mais!

Mariana ainda não sabia o significado de "perdoar".



quinta-feira, outubro 15, 2015

Da felicidade

(Paul David Bond)


Se a felicidade te for servida a rodos, tenta não te embriagares. A embriaguês tolda os sentidos e não te deixa saborear cada momento. Guarda, sim, essa abundância no coração para a ires degustando em dias de pouca luz.




* Depois de ler a administração da tristeza, no Primeiramente, da ana p.

quarta-feira, outubro 14, 2015

A luz da sombra


(Cuno Amiet, Moonlit Landscape, 1904)


Faz-se Luz

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca

Mário Cesariny



Há, na sombra, a eterna presença da luz. Podem, os amantes, refugiar-se nela mas nunca deixarão de se iluminar, como se de estrelas fossem feitos.


* Obrigada a Miss Smile, pela oferta do poema de Cesariny.

segunda-feira, outubro 12, 2015

Olhar

(Gustav Klimt)


O que têm os teus olhos 
que os meus se não querem deles estranhar?


sexta-feira, outubro 09, 2015

Este ano, a moda é usar peles

(mateica88, em Deviantart)


Era uma vez um lobo, grande, lindo, de pelo cinzento brilhante e olhar profundo. Tinha por costume, o lobo, ir ao bosque em longos passeios. Certo dia, ainda o sol mal nascera, já ele andava alegremente por entre as árvores, a sentir o perfume das flores, quando ouviu uma voz feminina elevar-se numa canção da Janis Joplin (Oh God, won't you buy me a Mercedes Benz...). Ficou pregado no meio do caminho, esperando a dona da voz que escolhera a sua canção favorita para entoar logo pela manhã. Não tardou nada, uma jovem vestida com um provocante vestido  e uma capa vermelha pelos ombros apareceu na curva.


- Bom dia! disse-lhe ele.

- Bom dia! respondeu ela com um sorriso provocante nos lábios pintados a preceito.
 - Não tens medo de andar pelo bosque sozinha? perguntou o lobo.
- Eu? Claro que não, meu caro lobo! respondeu enquanto acendia um cigarro. Gosto de andar pelo bosque e já imaginava que, um destes dias, encontraria um lobo assim, sexy como tu! continuou.
O lobo não cabia em si de contente. Ia a caminho da casa de férias da avó para a ajudar a resolver uns problemas com a rega do jardim mas não precisava apressar-se.
- E tu, lobo, onde vais assim tão cedo? perguntou ela, soprando o fumo em pequenas espirais.
- A casa da minha avó, ajudar com a rega do jardim. respondeu o lobo com a cauda a abanar afanosamente.
- Posso acompanhar-te? prosseguiu ela.
- É um prazer! retorquiu o lobo, mortinho por lhe sentir o perfume mais de perto.
Foram andando em direcção à casa, ela meneando as ancas e roçando-as no pelo dele de vez em quando, ele quase a uivar de excitação. Chegados ao destino, a avó deu-lhes a boas vindas com uns daiquiris e disse-lhes:
- Meus filhos, estou muito cansada. Vou dormir um bocado antes de almoço.
- Ai, avozinha, posso ir consigo? Cansou-me tanto, o passeio pelo bosque! perguntou ela.
E foram ambas para o quarto enquanto o lobo ficou a tratar da rega do jardim. Duas horas mais tarde (o diabo da rega não atava nem desatava) o lobo entra em casa pé ante pé e espreita pela porta entreaberta do quarto.
- Entra! disse a rapariga. Deita-te aqui um bocadinho!
O lobo, encantado, enfiou-se entre os lençóis e, estranhando não ver a avó, perguntou:
- Onde está a avó?
- Foi às compras à mercearia aqui do lado. disse ela, enquanto limpava a boca à colcha, disfarçadamente.
 Ele olhou para ela, ali deitada tão perto que lhe sentia a respiração quente, e encetou uma conversa, sussurrando:
- Tens uma pele tão macia!
- É para as mãos deslizarem melhor!respondeu ela.
- E tens uns olhos tão brilhantes!
- É para te ver cada detalhe!disse ela, sorrindo.
- E tens uns lábios tão carnudos!
- É para te comer melhor! E, sem mais delongas, COMEU-O!

Escusado será dizer que Capuchinho ficou com problemas digestivos e, durante a cirurgia ao estômago a que se submeteu, retiraram-lhe, para além de uns óculos de ver ao perto e de uma camisa de noite em flanela, pele cinzenta de tamanho suficiente para fazer uma estola e uns punhos.
- Preciso de ir ao bosque outra vez. pensou. Este ano a moda é o castanho!



quinta-feira, outubro 08, 2015

8 de Outubro, dois anos Da Maria

(Pablo Picasso)


OUTRA COISA

Apresentar-te aos deuses e deixar-te
entre sombra de pedra e golpe de asa
exaltar-te perder-te desconfiar-te
seguir-te de helicóptero até casa

dizer-te que te amo amo amo
que por ti passo raias e fronteiras
que não me chamo mário que me chamo
uma coisa que tens na algibeira

lançar a bomba onde vens no retrato
de dez anos anjinho nacional
e nove de colégio terceiro acto

pôr-te na posição sexual
tirar-te todo o bem e todo o mal
esquecer-me de ti como do gato


(MÁRIO CESARINY DE VASCONCELOS, in «Poesia 71», 19 Projectos de Prémio Alonso Ortigão)




 



Hoje, como há dois anos atrás, Cesariny e Picasso, o amor feito desenho, o amor feito poema. A Maria faz dois anos. Esta Maria que vos escreve agradece, muito, a cada um de vós, cada minuto de companhia, cada comentário. Isto não são só blogs...

quarta-feira, outubro 07, 2015

Medo

(Imagem daqui)

Naquele dia, a violência derrubou-lhe qualquer defesa e o medo ficou. Apressava-se para chegar a horas, que não era de se atrasar para um compromisso. Passo ritmado nos sapatos pretos, calças da mesma cor, blusa branca e uma écharpe preta e vermelha. Como era habitual, um leve sorriso nos lábios. Pára, frente ao elevador, de costas para o pequeno átrio. Pressente alguém atrás dela e não estranha. Afinal, o prédio tem algum movimento já que alberga diversos escritórios. O elevador chega, vazio, ela abre a porta e tudo se precipita. Um corpo pesado empurra-a de encontro ao fundo com tanta violência que a cara se encosta, espalmada, ao espelho. Tenta ver através dele mas não é capaz. Só um casaco escuro que lhe tapa a cabeça. É demasiado baixa e o atacante é muito alto. Algo pontiagudo magoa-lhe as costelas do lado direito. Tenta mexer-se, escapar daquele corpo que a esmaga mas não tem força para tanto. Lágrimas escorrem-lhe pela cara, enquanto o elevador pára ao atingir não sabe qual andar. "Está quieta, cabra, ou furo-te!" Foram quantos minutos? Cinco? O homem abriu a porta e saiu de rompante. Nem teve forças para se virar de imediato. A blusa esgaçada e as calças manchadas de esperma. Saiu. Estava no último andar de 7. Os escritórios acabavam no 6º. Limpou as lágrimas, pegou na bolsa que tinha caído no chão, desceu dois andares pelas escadas, abriu a porta da sala com a chave que tirou do bolso e fechou-se por dentro. Pegou no telemóvel, ligou para a pessoa que deveria receber dentro de meia hora e disse-lhe que estava doente. Estava doente! 
Escolheu não dizer a ninguém. Limpou as calças manchadas como pôde, disfarçou a blusa esgaçada com a bolsa à tiracolo, foi para casa, tomou um duche e deitou a roupa toda ao lixo. Difícil foi voltar lá, ao prédio onde acontecera. Não voltou a usar o elevador.

Uns meses mais tarde, leu no jornal local que um homem tinha sido apanhado a atacar uma mulher num elevador. Tinha antecedentes de violência sobre mulheres. Presente a tribunal, fora solto com termo de identidade e residência. Não teria valido a pena contar, pensou. Apesar de tudo...


terça-feira, outubro 06, 2015

sábado, outubro 03, 2015

4 de Outubro de 2015

"Oh mãe, deia-nos pão!" Escutando Quotidianos de Pobreza
Luiza Cortesão (Ed.)

Hoje, porque amanhã é dia 4 de Outubro, voltei a este livro espantoso, edição Fundação Cidade de Guimarães / Instituto Paulo Freire de Portugal / CIIE. Uma oportunidade de ouvir da pobreza feita de memórias abertas como feridas na carne, um alerta para as condições degradantes em que se viveu e em que ainda se vive neste país onde ainda nem todos são livres.


 Página 221

Página 219



*Peço desculpa pela má qualidade das fotos. Fotografar um livro com telemóvel não dá grande resultado.

Até que a noite venha

(Edward Muybridge)

To fling my arms wide
In some place of the sun,
To whirl and to dance
Till the white day is done.
Then rest at cool evening
Beneath a tall tree
While night comes on gently,
Dark like me-
That is my dream!

To fling my arms wide
In the face of the sun,
Dance! Whirl! Whirl!
Till the quick day is done.
Rest at pale evening...
A tall, slim tree...
Night coming tenderly
Black like me.


Langston Hughes








Abrir os braços largamente
Algures, à luz do sol,
Rodopiar! Dançar!
Até que se desvaneça a luz do dia 
Depois, descansar numa fresca manhã
Sob uma árvore alta
Enquanto a noite vem mansamente
Negra como eu 
Esse é o meu sonho!

Abrir os braços largamente
Algures, à luz do sol,
Dançar! Rodopiar! Rodopiar!
Até que se desvaneça o dia breve 
Descansar na tarde pálida...
Uma árvore alta, esguia...
A noite mansamente vindo
Negra como eu.

Langston Hughes, tradução de Maria Eu