terça-feira, abril 25, 2023

Abril, 25.



E, quase sem se dar conta, era outra vez Abril! 


 

(Traz outro amigo também - Zeca Afonso)

segunda-feira, abril 24, 2023

Aurélia

 

"Aurélia distinguia-se pela sobriedade, que  era nela a consequência de temperamento e educação. Não quer isto dizer que fosse dessa espécie de moças papilionáceas que se alimentam do pólen das flores, e para quem o comer é um ato desgracioso e prosaico. Bem ao contrário, ela sabia que a nutrição dá a seiva da beleza, sem a qual as cores desmaiam nas faces e os sorrisos nos lábios, como as efémeras e pálidas florações de uma roseira ética.

Assim não tinha vergonha de comer; e sem vaidade acreditava que o esmalte de seus dentes não era menos gracioso quando eles se triscavam como a crepitação de um colar de pérolas; nem o matiz de seus lábios menos saboroso quando chupavam uma fruta, ou se entreabriam para receber o alimento."

Senhora, José de Alencar


Adorava ver Aurélia comer! Costumava sentar-se numa mesa desde onde a pudesse observar, sempre tão composta, a inquietar-se perante  as opções do menu; imaginando cada sabor, cada aroma... Era toda brilho no olhar. E quando pousavam na mesa o prato escolhido, então! Uma festa!

Aurélia era, nesses momentos de gula, a mais sensual das mulheres, toda ela boca e mãos, deixando a quem a observasse a sugar o tutano de uma costelinha de borrego ou a trincar um bago de uvas, um calafrio na espinha, um desejo instantâneo de a possuir com o mesmo apetite que mostrava, recorrendo ao mesmo método para se deleitar.

Maria Eu


(Sueño con ella - Buika)

quarta-feira, abril 19, 2023

Arquivo


 Tinha sonhos, Maria Antónia. Um dia viveu um. Arquivou-o para que não o esquecesse.


(Hania Rani - Eden)

sábado, abril 01, 2023

Aprendiz

 

Imagem daqui

Recordava cada tempo com uma vida própria. Aos cinco anos era a menina de seus pais, caracóis loiros presos em rabo de cavalo por uma fita de cetim a condizer com os bibes feitos pela mãe, correndo pelos campos; aos nove enchia os pulmões de ar e respirava fundo no exame da quarta classe presidido pelo Sr. Inspector de aspecto circunspecto; aos doze enchia-se de raiva, sentada num baú cheio de roupa, no primeiro de muitos dias desterrada de casa, condenada a um regime de internato; aos quinze olhava-se ao espelho perguntando-se se algum rapaz, algum dia, iria querer namorá-la; aos dezasseis afirmava-se Abril, aquele em que nascera e agora era também cravo, já sabendo que eles, os rapazes, a queriam namorar; aos dezoito, sempre cravo, houve estudos, muitos e diversos, com leituras, conversas e debates noites dentro; aos vinte e dois, foram os meninos que a tornaram de novo aprendiz, enquanto os ensinava como sabia e podia.

Até hoje, ser aprendiz, consciente de uma busca constante de completude, marca a vida do seu tempo mais longo, sempre cravo, sempre Abril.


(Lisa Gerrard e Marcello De Francisci - When the light of the morning comes)