quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Amor, como hera


(Júlio Pomar)

"Então tu pensas que há muitos casais como nós por esse mundo? Os nossos mimos, a nossa intimidade, as nossas carícias são só nossas; no nosso amor não há cansaços, não há fastios, meu pequenito adorado! Como o meu desequilibrado e inconstante coração d’artista se prendeu a ti! Como um raminho de hera que criou raízes e que se agarra cada vez mais. Vim para os teus braços chicoteada pela vida e quando às vezes deito a cabeça no teu peito, passa nos meus olhos, como uma visão de horror, a minha solidão tamanha no meio de tanta gente! A minha imensa solidão de dantes que me pôs frio na alma. Eu era um pequenino inverno que tremia sempre; era como essa roseira que temos na varanda do Castelo que está quase sempre cheia de botões mas que nunca dá rosas! Na vida, agora há só tu e eu, mais ninguém. De mim não sei que mais te dizer: como bem mas durmo mal; falta-me todas as manhãs o primeiro olhar duns lindos olhos claros que são todo o meu bem."

Florbela Espanca, em Correspondência (1921)





A amante sabe do seu amado a claridade do olhar, o (a)braço onde repousa as alegrias e o cansaço, o particular modo de beijar. Se ausente, fica a falta na lembrança.

13 comentários:

  1. E que bom é haver faltas e ausências, para nos levarem a saciar a sede. :-)
    Há muito tempo que não me encontrava com Júlio Pomar, o que agora me fez matar as saudades depois da ausência :-)

    Beijinhos, Maria linda! :-)

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    1. Alternância democrática? Eheheheheheh.

      Beijocas repenicadas, Susaninha! :)

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  2. Uma tentativa, quase conseguida, de definir amor
    Seja isso, aquilo que for
    Uma tentativa, essa sim, conseguida
    de definir ausência

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  3. "Eu era um pequenino inverno que tremia sempre"
    Magnifica analogia da fragilidade humana e do amor.
    Beijo Maria

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    1. Se tivesse que destacar uma frase, seria essa. :)

      Beijinhos, SD! :)

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  4. A alma resiste muito mais facilmente às mais vivas dores do que à tristeza prolongada.

    Bom Fim de Semana, Maria:))

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  5. Tão próximos íntimos
    tão entrelaçados embrulhados
    tão rotinados em contrato de comodato
    tão cansados do amor.

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  6. Os seus olhos, a sua expressão, o seu cheiro, mão na mão e tudo volta a fazer sentido... As ausências têm muitas vezes a capacidade de nos fazer entender certas coisas :)

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