domingo, dezembro 31, 2017

E 2018 aqui tão perto!

Em louvor das crianças

 "(...)
   Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados — a tais regressos se chama, às vezes, poesia. Essa espécie de terra mítica é habitada por seres de uma tão grande formosura que os anjos tiveram neles o seu modelo, e foi às crianças, como todos sabem pelos evangelhos, que foi prometido o Paraíso.
   A sedução das crianças provém, antes de mais, da sua proximidade com os animais — a sua relação com o mundo não é a da utilidade, mas a do prazer. Elas não conhecem ainda os dois grandes inimigos da alma, que são, como disse Saint-Exupéry, o dinheiro e a vaidade. Estas frágeis criaturas, as únicas desde a origem destinadas à imortalidade, são também as mais vulneráveis — elas têm o peito aberto às maravilhas do mundo, mas estão sem defesa para a bestialidade humana que, apesar de tanta tecnologia de ponta, não diminui nem se extingue.
(...)"

 Eugénio de Andrade, in Rosto Precário (Limiar, 1979, Assírio  Alvim, 2015)




Quem me acode à cabeça e ao coração
neste fim de ano, entre alegria e dor?
Que sonho, que mistério, que oração?
Amor.

(Carlos Drummond de Andrade)

(Gustav Klimt - A árvore da vida)

Desejo-vos que tenham o peito aberto às maravilhas do mundo, sendo sempre capazes desse mistério maior que é o Amor!

quarta-feira, dezembro 27, 2017

Sweet Amélia

(“Tales of The Unexpected” for UK Vogue December 2008 photographed by Tim Walker)



Caem pétalas de malmequeres
Despindo a flor até ao cálice
nos sonhos brancos de Amélia
Bem-me-quer, mal me quer, …

Sopra Éolo, de Barlavento
Levando-as, penas de gaivota
Corrupio alvo no azul do mar
Bem-me-quer, mal me quer…

Lengalenga com nome de flor
Bate ritmado o coração de Amélia
Despe-se de pétalas, cálice do amor
Oferenda ardente de bem querer


sexta-feira, dezembro 22, 2017

Natal



E, de repente, a árvore fez-se de Natal. O portão verde abriu-se aos que vinham de outras terras e de outros Natais. Com eles, dedos pequeninos a segurarem o espanto de pouca vida em forma de brinquedo. A árvore, orgulhosamente ornamentada de frutos adocicados, verga-se do peso destes. Ou será que sabe da pequenez dos meninos e quer deixar-se tocar, mimada?

FELIZ NATAL!


domingo, dezembro 17, 2017

Intimidade



Dedos
Breves como asas
Afloram
A sede carmesim

Corpos
Urgentes como voos
Rasgam
A fome púrpura


segunda-feira, dezembro 04, 2017

Palavras, raras...

Detalhe do "Retrato de Maria Trip" - Rembrandt  (Daqui)


Procurava as palavras como se fossem pérolas. Tomava fôlego, mergulhava em profundidade nas águas cálidas, e deixava-se ir, numa busca urgente, até que a asfixia a tomasse, empurrando-a para a superfície. Sabia das notícias que davam conta da escassez de palavras-pérola. Vieram outros pescadores!, diziam.  Ainda assim, continuaria a mergulhar. Ainda assim, encontrá-las-ia...


sexta-feira, novembro 17, 2017

As lágrimas da cebola

são as mulheres que


são as mulheres que

fazem chorar as cebolas

como se descascassem a própria vida

e, arredondando-se então, descobrissem

um corpo, o seu

uma vida, a sua

e, no entanto, nada que de verdade

pudessem seu chamar

ou talvez sim, mas só

aquela gota de água salpicando

um canto do avental onde

desponta uma flor de pano colorida que

ainda ontem ali não ardia


Bénédicte Houart, julho de 2010 © Bénédicte Houart



("Descascando Cebolas" - Lilly Martin Spencer)  daqui


Maceradas, as mãos que seguram a faca cortam, primeiro, para puxarem uma casca, depois outra, e outra e mais outra. Despem, aos poucos, a polpa branca e ácida das defesas cor de fogo. Ardem-lhe os olhos, à mulher das mãos maceradas. Supõe-se que seja da acrimónia do fruto quando nu. Ninguém percebe que é ela, avental visível numa flor gritante, ela é que está nua. Ninguém, senão ela, sente o frio do aço.


segunda-feira, novembro 06, 2017

Como água para a tua boca


You are perfect for me

because you’re psychic
no one else could understand me
the way you

do and

I say
Drink Me

I say it to you silently
but it calls forth in me

the water for you
the water you asked for


(Rebecca Wolff)





Tu és perfeito para mim 

porque tu és adivinho 
ninguém mais me poderia entender 
da mesma forma que tu

me entendes e

eu digo 
Bebe-me

eu digo-to em silêncio 
mas dizê-lo invoca em mim

a água para ti 
a água tu pediste

(Rebecca Wolff - traduzida por Maria Eu)




domingo, outubro 22, 2017

A fuga breve

(imagem retirada da internet, sem referência de autor)

Vénus, declaradamente enregelada pelo vento oeste, músculos hirtos do equilíbrio periclitante na concha, tinha-se cansado da posição estática, dos olhares de admiração sem retorno. Sabia que as mulheres tinham alma rebelde. Outras lhe fariam companhia, decerto, numa aventura fora dos museus, longe dos holofotes da fama. Paris não era longe! Ouvira dizer que, a Mona Lisa, se começava a notar um progressivo apagamento do sorriso. Sandro* compreenderia a sua inquietude. Afinal, ele criara-a! Aproveitou a calada da noite e uma distracção do guarda (sorridente, ele, a sussurrar palavras de amor ao telemóvel) para se escapulir. No vestiário, encontrou roupa das guias. Ainda experimentou um par de sandálias, mas os seus pés não suportaram a prisão das tiras de couro. Descobriu que, por estranha magia, bastava fechar os olhos e pensar num local para se encontrar nele. Foi assim que se viu na Piazza del Duomo e, num outro instante, em pleno Louvre, desafiando a Gioconda para uma fuga. Tentou-a com o vestido amarelo que levara consigo, uns sapatos de tacão, e com um relógio Swatch há muito abandonado na secção de perdidos e achados da Galleria degli Uffizi.
- Et maintenant? perguntou-lhe a parceira.
- Haia! A "Mona Lisa do Norte"!
A rapariga com brinco de pérola não pensou duas vezes perante o desafio. Perdeu o ar melancólico, soltou os cabelos, enfiou as calças e a blusa sem mangas que lhe levavam e, com uma gargalhada reprimida há séculos, exclamou:
- Bora lá buscar a mais louca de todas! A única que tem o seu próprio museu!
Quando se deram conta, a Cidade do México estava à vista, e Frida Kahlo, com um toucado de flores, completou a quadrilha.

A vaidade, porém, prendeu-as de novo, quando um pintor lhes pediu, com voz sedutora, que posassem as quatro, tão  parecidas com deusas, no sofá do aparthotel onde se hospedava. Ainda hesitaram, mas Frida derreteu-se com as doces palavras de Diego (tal e qual o Rivera) e a ela ninguém contradizia.

*Sandro Botticelli



domingo, outubro 15, 2017

Infância

(Yana Ilieva)


                                                              Inocência
                                                              Núcleo
                                                              Felicidade
                                                              Ânsia
                                                              Navegação
                                                              Carícia
                                                              Imaginação
                                                              Abrigo



terça-feira, outubro 10, 2017

Nascer gaivota

(Marc Chagall)

Era nas pequenas coisas que o amor fazia questão em manifestar-se: uma luz inexplicável no olhar, o coração acelerado, um humedecer de lábios, o eco de um riso à toa. Naquele dia, sentou-se à mesa da esplanada, atrevido, e contou-lhe de uma praia onde se nascia gaivota. Foi então que, sem surpresa, lhe cresceram asas e voou com ele.


domingo, outubro 01, 2017

Maria da Conceição

(George Clausen)

Corria o ano de 1950, Maria da Conceição tinha dez anos feitos há poucos dias quando a levaram do casebre de duas assoalhadas onde vivia com os pais e cinco irmãos. Num saco de serapilheira, três pares de cuecas de pano cru, duas combinações de terylene azul claro, um vestido azul escuro muito lavado, já com manchas brancas de tanto ser esfregado no tanque de pedra, e três pares de meias passajadas. A mãe não lhe dissera grande coisa, só a levantara mais cedo que o costume. Vem aí uma senhora da vila buscar-te, rapariga. Diz que te tem visto na missa e que lhe pareces de bom tamanho para a ajudares na lida da casa. Bem falta nos faz, mais uma jorna! Ela não percebera muito bem o que aquilo queria dizer até se ver puxada pelo braço para dentro de um automóvel branco por uma senhora gorda, com um cheiro tão doce que até o estômago se lhe revoltara. Minha mãe! Minha mãe! Chamara. Mas a mãe olhara-a sem pestanejar, e voltara-lhe as costas antes que desaparecesse na primeira curva da estrada.
Precisara de um banco para chegar à tábua de passar a ferro e engomar as blusas de linho fino da menina Carlota. Vê lá como as deixas, rapariguinha! Lava bem as mãos antes de lhes tocares! A menina vai usá-las para ir para o Liceu!

Maria da Conceição lembrou-se disso, hoje, enquanto abotoava a blusa de seda, que passara impecavelmente a ferro ontem à tarde, diante da janela debruada a cortinas de cores alegres da sua cozinha branca. Senhora de si mesma!
Suspirou, deixou as más lembranças para trás, e saiu para ir votar.


segunda-feira, setembro 18, 2017

Disse-lhe



Disse-lhe do mar, ora eivado de azul forte ou claro, das nuvens que corriam, ligeiras, competindo com bandos de gaivotas. Disse-lhe da imensidão da praia, das dunas castigadas pelo vento norte onde crescem cardos marítimos.
Nos olhos de ambos, um veleiro.


domingo, setembro 03, 2017

Urge Setembro


Nem sempre Agosto se veste de azul e oiro, ou há risos de meninos ao ligar inesperado dos aspersores da rega do jardim. Às vezes, vestem-se os dias de horas longas em que as roseiras crescem desordenadamente, deixando que os espinhos rasguem os dedos da jardineira, uma e outra vez.
Urgem nuvens que lavem o sangue das feridas da jardineira. Urge um Setembro, de orvalhos matinais, de frutos sumarentos. Urge o cicatrizar das feridas

sexta-feira, agosto 18, 2017

Narrador omnisciente

(Anna Kowalewicz)

Caía a noite devagar no quintal dos Avelares. A figueira secular estendia os braços fortes em direcção às janelas da sala de estar, como que a querer abri-las de par em par. Lá dentro, a luz difusa de um candeeiro de pé iluminava o cadeirão de couro castanho, onde uma mulher de rosto sardento se aninhava, descalça, embrenhada na leitura de um livro que, a avaliar pela sua expressão, deveria ser extremamente interessante.
Quem não se deixou impressionar pelo entusiasmo da leitora foram as duas crianças loiras que correram sala dentro, tropeçando no tapete persa, obrigando-a a acudir-lhes ao choro pouco convicto, mas que logo lhes serviu de desculpa para a puxarem numa dança de roda.
- Anda brincar, Mariana!
E Mariana rodopiou, dançou, cantou, rebolou no chão com elas em brincadeiras mil. Ouviam-se as gargalhadas cristalinas das três a ecoar pela casa. Só a mão terna do pai das mais pequenas conseguiu levá-las e deixar que o livro fosse retomado. De novo aberto, os olhos ávidos liam as palavras interrompidas. Havia, no entanto, para um observador mais atento, um pormenor estranho… Nunca a leitora mudara de página.
O narrador, felizmente capaz de fazer-se absolutamente invisível e espreitar-lhe por cima do ombro, aproximou-se, pé ante pé, e pôde enfim ver a prosa que tanto a encantava. Dentro do livro, o respeitável “Ensaios e artigos” de Agustina, numa folha de papel amarelo, um poema escrito à mão, a esferográfica de tinta azul, com letra elegante, marcadamente masculina, levemente inclinada para a direita. No fundo da folha, um nome, local e data. Os dedos de Mariana acariciavam os caracteres da assinatura e os olhos mantinham a avidez do primeiro minuto em que a vira no sofá da sala.


sábado, agosto 12, 2017

13 para o almoço

(Henri Matisse)

Da cozinha, evolava-se um aroma a carne assada com alecrim, à mistura com o da torta de cenoura acabada de desenformar. A voz alegre de Vó Nita cantarolava:

"Menina estás à janela
com o teu cabelo à lua
não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua

Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela
com o teu cabelo à lua
menina estás à janela

(...)"

Faltava pouco para a hora de almoço e, na mesa da cozinha grande, já luzia a toalha de bordado azul e vermelho à Vianesa, com os pratos do serviço de festa, os talheres de alpaca e os copos a brilharem de tão limpos. Seriam 13. Alguns diriam que 13 não seria número de comensais a sentar a uma mesa, mas Vó Nita nunca se deixara levar por superstições. Nascera-lhe mais uma bisneta em Abril. Logo em Abril, o seu mês! Havia de ser levada, essa menina, pela certa. Touro! Apaixonada, com sangue quente, teimosa e lutadora. Como ela! Sorriu, enquanto ajeitava a cadeirinha no topo da mesa. Qual azar, qual quê, se o número 13 era a sua Mariana.



segunda-feira, agosto 07, 2017

Viagem de comboio

(Fanny Nushka, in Saatchiart)

O anúncio sonoro da chegada do comboio despertou-a do torpor ensonado da espera de mais de vinte minutos. Um frenesim apoderou-se dos passageiros em espera. O ruído das malas a rodar fazia lembrar metralhadoras. Carruagem 5, lugar 83, janela. Acomoda-se rapidamente, puxa a mesa do suporte, retira o livro da bolsa e, antes que o consiga abrir, um rapaz nos seus dezoito, barba crescida, cabelo rebelde, óculos de massa e vestuário "certinho", atira-se, literalmente, para o seu lado, enquanto acomoda um saco de dimensões consideráveis por baixo do banco da frente. Os esforços para encaixar o volumoso objecto são acompanhados de uma espécie de resfolegar e gestos largos. Tão largos que a obrigam a encolher-se de encontro à janela qual mosca indesejada. Apaziguado, o rapaz saca de um embrulho gorduroso e faz aparecer um hambúrguer que seria devorado enquanto o diabo esfregava um olho. Inclina-se para o saco que ainda há pouco se esforçara para acomodar espetando-lhe o cotovelo esquerdo repetidamente na cintura. Não conseguira colar-se à janela devidamente, pelos vistos. De nada valeram os olhares mortíferos ou os suspiros profundos e desaprovadores. O jovem mergulhara no telemóvel e os phones tornavam-no surdo. Mais de duas horas depois e, seguramente, umas nódoas negras por baixo da blusa branca de tanta agitação cotovelar, o pequeno selvagem levantou-se de um salto ao anúncio da próxima estação e puxou o saco com tanta violência que o fez estatelar-se no corredor. Mesmo dorida das cotoveladas, Clara desatou às gargalhadas. Afinal, não seria a única a levar umas mazelas da viagem.

quarta-feira, agosto 02, 2017

#parecesasvelhotas

(fotografia de  Ari Seth Cohen, do Advanced Style)

Sais com as filhas das tuas amigas (que tu só tens um rapaz e dele só ouves que #parecesasvelhotas) e, de repente, elas estão a experimentar as socas que tu usavas aos quinze, com aquela plataforma de dez centímetros, de vestidos compridos "flower power" e bolsas à tiracolo com franjas. Na verdade, se fores ao baú onde guardas os álbuns podes mostrar-lhes aquela foto na praia, num grupo de raparigas muito sorridente, tal e qual elas. Folheando o mesmo álbum, há aquela, em biquini reduzido, com laços de lado (oh, pá, que não tinha barriga nem nada), pirosa que só visto, em cima de uma rocha, ao pôr do sol, em pose cinéfila para o fotógrafo, um rapazinho moreno que te lera poemas nesse Verão. 
É então que perguntas à menina da loja se tem o teu número das socas, em castanho, e as raparigas se riem e acham que és uma cota muito à frente. Tu, que lhes fazes companhia, de jeans bordadas, túnica em crochet e sapatilhas! Cota! Pois... #parecesasvelhotas, não adianta!

E não, não lhes disse que li Eça aos treze anos porque isso ia ser fatal! Embora, intercalados, tivessem estado Hergé e Hugo Pratt.

*Versão muito light de uma corrente de posts iniciada pela Susana ,continuada pelo Pipoco, pelo Xilre e pela Linda Blue.

quinta-feira, julho 27, 2017

Morrer


(Robert Gonsalves)

Sentia-se morrer. Estranhamente, morrer não era aquilo que mais a assustava. O que a fazia sofrer era a ideia de nunca mais ver o mundo pelos olhos dele.


terça-feira, julho 18, 2017

Os amantes

(Fresco de Pompeia)

Os amantes sabem-se de cor
têm-se mapeados na polpa dos dedos
desenhados na pele que percorre o caminho
da nuca, vértebra a vértebra, até ao sacro


Os amantes, como os pássaros,
Cruzam os céus em voos estonteantes
Rasam os perigos sem medo, cantando
Sem que gaiola alguma os aprisione


quinta-feira, julho 13, 2017

Parecenças II


Chegado a casa, o Engenheiro Castro, António Alberto de seu nome, subiu apressadamente a escada que dava para o quarto, libertando-se da roupa em gestos largos, enquanto se dirigia ao duche, deixando-a peça a peça, quais peles de animais esfolados, caída pelo chão. Mariana, sempre com o seu aventalinho imaculadamente branco destacando-se no preto do uniforme, logo se encarregaria de a recolher, uma a uma, curvando-se elegantemente, como ele tanto gostava de apreciar, deixando que as curvas deliciosamente arredondadas das ancas e do rabo rematassem as pernas em tensão muscular.
Ah! Mariana! Como lhe conhecia as pregas mais recônditas, os sinais escuros na mama direita, a marca arroxeada, de nascença, em forma de borboleta, na base da nuca, que ficava a descoberto quando desviava o cabelo! Tinham crescido juntos e, desde a morte do pai e da mãe naquele terrível acidente de automóvel, era nela que encontrava aconchego e carinho. Escapava-se do quartinho esconso nos anexos da casa dos Cunha e Villar e corria para os seus (a)braços (ou melhor, a dar-lhe os seus) noite após noite, numa entrega total, sem nunca pedir nada a não ser umas horas de carícias e palavras ternas.
Foi a ela que perguntou, ainda impressionado com a parecença com o falecido: Meu amor, achas-me assim tão igual ao burgesso do Joãozinho?
Foi também ela que, com voz doce e apaixonada, entre beijos ardentes, o sossegou: Nem pensar, meu adorado! Tu és muito mais bonito!

Nós, que sabemos como são as mulheres apaixonadas e os homens demasiado crédulos, sorrimos, enquanto cogitamos se o pai do engenheiro e a mãe do Joãzinho não teriam, como rezam as más línguas da aldeia, caído na tentação da carne.


quinta-feira, julho 06, 2017

Nos quatro anos do Xilre

(Mark Rothko)

Quem não gostaria de ter um pássaro cantor no beiral e  de receber cartas manuscritas a tinta azul cobalto, com a caneta S. T. Dupont Olympio de J. Eustáquio de Andrada? 
O Xilre é, a um tempo, um romântico que derrete o coração de qualquer Orchidée e, a outro, um analista minucioso da realidade. Entramos na sua casa sempre à espera de ficarmos maravilhados e saímos, muitas vezes, mais do que enriquecidos, curiosos, prontos para saber mais, seja de música, de literatura, ou de minudências que a outros nunca ocorreriam observar ou descrever. É que é um blog tão em bom, tão em bom, que até gerou um movimento blogosférico com piratas, flores, palmiers, pipoco(a)s, e todo um exército de bloggers para o sitiarmos onde não o pudéssemos perder.
Longa vida, caro Xilre! Hip! Hip! Hurra!


quarta-feira, junho 21, 2017

Parecenças I

(unknown painter)

Foi pelas quinze horas, a canícula abafava até os miados dos gatos, que a notícia da morte do Joãozinho Villar chegou. Veio escrita a tinta preta, numa letra trémula, mas elegante, gravada num cartão. Mariana, a empregada (criada, como ainda lhe chamam os patrões), calcorreara o caminho íngreme que distava da casa grande dos Cunha e Villar, ataviada no uniforme preto de cetim, aventalinho branco pespontado a renda e toucado igualmente alvo no cocuruto da cabeça ornamentada com uma trança enrolada de cabelos negros. "É para entregar ao Sr. Engenheiro!", dissera, já pronta a seguir caminho com uma considerável quantidade de cartões na mão.
O Engenheiro Castro leu o cartão com um franzir de testa, ainda enrolado no seu roupão azul escuro com um belo dragão bordado a dourado, comprado nos tempos áureos das viagens ao Oriente. Ah! Bons tempos, aqueles em que os pais desembolsavam quantias avultadas  para educar o seu menino para uma visão eclética e mundana!
Vestiu o fato preto, camisa branca, gravata igualmente preta. Olhou-se ao espelho com ar satisfeito. O cabelo ainda forte e ondulado penteado para trás, o bigode levemente retorcido nas pontas que o fazia parecer-se extraordinariamente com o bisavô Cunha e Castro. Suspirou, e saiu para a torreira do sol, encaminhando-se para o velório.
Cruzado o portão da casa dos Villares, não lhe foi difícil perceber onde a família velava o falecido. A porta verde da sala de visitas do rés-do-chão, aberta de par em par, deixava que se ouvisse o ruído abafado do terço, rezado em tom monótono por vozes femininas.
Franqueou a entrada. Lá estava o Joãozinho, enfiado num casaco azul-marinho de trespasse, camisa azul clara, gravata azul com pequenos brasões amarelos e calças cinzentas. Tal e qual os uniformes da banda de música! A barriga proeminente quase rebentava os botões dourados do casaco. Mas... agora reparava, o bigode era igualzinho ao seu e o cabelo... Meu Deus, o cabelo! Forte, ondulado, penteado para trás! Foi cumprimentar as senhoras da casa. "Tia, que desgraça! Foi tão inesperado! Prima, lamentável!" E, de sopetão, atiram-lhe: "Mas que parecido estás com ele! Até comentámos quando entraste! Credo! Não o soubéssemos cadáver, entrava agora pela porta da frente!"
Ficou uns minutos à conversa, contrariado, nervoso. Pensava entretanto: Em chegando a casa rapo o bigode e penteio o cabelo para o lado! Parecido com o morto! Só essa me faltava! Semelhante ao parolo com vestimenta de músico da banda da terra!


domingo, junho 04, 2017

Destino

(Aja, Scotia, NY, USA.)

Joana crescera bravia, sempre de sapatos na mão e joelhos esfolados pelas muitas incursões aos quintais dos vizinhos, equilibrada em reentrâncias de muros ou ramos de árvores, mãos estendidas. Divertia-se a caçar lagartixas. Puxava-as pelo rabo e depois, largava-as, correndo atrás delas à gargalhada. Também lhe não escapavam os figos suculentos do Sr. José D'Além ou as uvas americanas da D.ª Rosinha. Quase apanhara com um chumbeiro de espingarda de pressão, num dia em que a confundiram com um pilha-galinhas. "Ai, Jasus, menina, que tu és mas é douda!"
Quisessem encontrá-la, era no campo ou, então, de cabeça metida num livro, fosse qual fosse, a sonhar.

António crescera à solta, habituado a roupas leves, fáceis de despir para entrar na água do mar. Não havia vento que mais do que o afagasse, nem maré que deixasse de o acolher. Brincara aos piratas e construíra fortes onde travara batalhas mil. Sonhara com sereias e raparigas de olhos estrelados com os pés nus na areia da praia. Quase morrera afogado, num dia em que mergulhara mais fundo e mais afoito. "Ai, Jasus, menino, que tu és mas é doudo!"
Quisessem encontrá-lo era na  praia, ou, então, de cabeça metida num livro, fosse qual fosse, a sonhar.

Cruzar-se-iam, mais tarde, nem numa praia, nem no campo, nem sequer numa livraria, e diriam, baixinho, um ao outro: "Ai, Jasus, que nós somos mas é doudos!"
Construíram uma biblioteca.


sexta-feira, junho 02, 2017

"selinho Blog em bom"



Ouvi dizer que há um panda bebé moribundo porque falta uma resposta ao desafio do Pipoco neste canto. Lembrou-se a NM de vir desinquietar-me com a seguinte mensagem: "Foste envolvida no movimento "selinho Blog em bom", tens agora vinte e quatro horas para escolher um blog que gostasses de ser, explicando-nos, num post, porque é que aquele blog é mesmo um blog em bom e para desafiares mais cinco bloggers para este interessante desafio que pretende promover o convívio entre todos os bloggers, ou então um panda bebé morrerá e todos sabemos que os pandas são animais fofinhos que não merecem falecer só porque alguém não responde a um desafio." 

Ah, se eu fosse um Blog em bom! Seria... E não é que o Impontual fez uma mistura bem engendrada, a Uva acrescentou mais uns quantos, ali, do lado direito tenho muitos, e não me decido qual gostaria de ser? Cada um tem um pouco do lirismo, da sensualidade, da loucura, do humor, da acidez, da cultura, do sarcasmo, da generosidade, de todas as coisas que gostaria de ter.
Mas já que o panda está a olhar para mim de olhos vidrados, e muitos já foram escolhidos, direi que, fosse eu um blog em bom, seria o atravessado, do rapaz das oito pernas (ou serão braços?). Ele é dono de palavras que atravessam tempestades e tem o coração sempre ao rubro, tanto que quase o vemos a sair-lhe pela boca. Não há, nas sombras que desenha, senão luz. 

Para continuar esta "onda" de selinhos, nomeio:
- O próprio Manel, do atravessado.


Sei que vou fugir à regra, mas deixo aos visitantes que ainda não foram nomeados, a vontade de participarem.

quarta-feira, maio 31, 2017

Nada breve

(Amedeo Modigliani)


Disseram-lhe que apagasse o sorriso. Breve, previam-no. O amor é sempre feito de um raio de luz que se desvanece num tempo apertado, tão estreito como os abraços que lhe punham estrelas no olhar. Mal sabiam que o seu amor resistia a lábios cerrados e a olhos rasos de água. A luz habitava-lhe o coração, incendiando-a de dentro para fora. 
Nada breve, o sorriso. Nada breve, o amor.


sexta-feira, maio 26, 2017

Begónias no passeio

(Philip Guston)

A rapariga da muleta deixou cair a muleta.
O fogo espalhou-se, abriram-se
as borboletas
num susto evidente,
fizeram fila os táxis.
Os prédios mais altos, tão francos,
tão estruturalmente com varandas,
tão soprados
pelo soluço dos que nascem.
As borboletas cada vez mais altas,
as borboletas sem táxi, a varanda que caiu
com as flores intactas
da tua febre. Tenho agora o desastre
da tua roupa no meu chão,
o sangue feliz.


Vasco Gato





Espantou-se com as begónias que, sem mais nem porquê, cresciam no passeio esburacado. Ainda ontem era um deserto de pedras irregulares com arestas duras, ratoeiras para os passantes mais incautos. Perguntou à rapariga de vestido branco quem plantara as flores assim, tão de repente. Pois que ninguém sabia, respondeu-lhe com os olhos brilhantes e felizes, mas tinham sido vistas dezenas de borboletas coloridas, em dança rodopiante pela rua. Fora enquanto elas dançavam que uma varanda caíra e espalhara flores pelo chão cinzento. Havia também quem afirmasse ter visto o amor, de sorriso nos lábios e gestos doces, a regar as begónias noite dentro, enquanto no quarto da varanda que cedera, Maria e José se perdiam, como que trémulos de febre, em carícias mil.

domingo, maio 21, 2017

Domingo



Era Domingo e ao Domingo preguiçava entre lençóis até mais tarde. Deixava o sol entrar lá pelas nove, ia buscar um sumo de laranja, um croissant e uns morangos, numa bandeja, e aproveitava para dar um avanço nas leituras que a voragem da semana mal lhe permitia aflorar. Só pelas doze saía para um passeio pela beira-rio. A prata líquida, refulgindo sobrevoada pelas gaivotas em elegantes passos de dança, nunca cessava de a encantar. Era ali, naquele reflexo argênteo, que se deixava enlear pela beleza que lhe escapava na pressa dos demais dias.


domingo, maio 14, 2017

Se eu...



Se fosse uma hora do dia, seria o entardecer.
Se fosse uma estrela, seria Nashira.
Se fosse uma direcção, seria um traçado irregular.
Se fosse um móvel, seria uma chaise-longue.
Se fosse um líquido, seria água fresca.
Se fosse um pecado, seria a luxúria.
Se fosse uma virtude, seria a generosidade.
Se fosse uma pedra, seria rubi.
Se fosse um monumento, seria o mais pequeno e simples de todos.
Se fosse uma árvore, seria uma oliveira.
Se fosse um fruto, seria uma cereja.
Se fosse um clima, seria o temperado marítimo.
Se fosse uma ave, seria uma gaivota.
Se fosse um instrumento musical, seria uma guitarra.
Se fosse um elemento, seria o fogo.
Se fosse uma cor, seria o vermelho.
Se fosse um animal, seria um gato.
Se fosse um som, seria o do vento nas árvores.
Se fosse uma flor, seria um cravo vermelho.
Se fosse uma música, seria “Wild is the wind", Nina Simone .
Se fosse um estilo musical, seria tango.
Se fosse um sentimento, seria a alegria.
Se fosse um livro, seria de poemas.
Se fosse uma comida, seria gelado de limão com chocolate quente.
Se fosse um lugar, seria uma ilha (com as coisas e as pessoas que amo).
Se fosse um gosto, seria o da canela.
Se fosse um cheiro, seria o do mar.
Se fosse uma palavra, seria «paixão».
Se fosse um verbo, seria «cuidar».
Se fosse um objecto, seria um livro.
Se fosse uma peça de roupa, seria uma écharpe.
Se fosse uma parte do corpo, seria a boca.
Se fosse uma expressão facial, seria um sorriso.
Se fosse uma personagem de BD, seria  a Mafalda (sempre questionadora).
Se fosse um filme, seria “Casablanca” .
Se fosse uma forma, seria oval.
Se fosse um número, seria o 8.
Se fosse uma estação do ano, seria a Primavera.


quarta-feira, maio 10, 2017

Quand la vie était plus rose.

(Michael Carson)


Maria do Rosário olhava Alberto com ternura, enquanto lhe cortava uma fatia generosa de torta de cenoura. Ah, como o tempo fora pouco magnânimo para com ele! Recordava-o ainda muito jovem, talvez com uns catorze anos, sorrindo-lhe timidamente durante as aulas de Francês da Madame Rose. Ela não se dava muito com os colegas de turma. Regressara há pouco de África e era tudo tão novo que chegava a ser assustador. Tinha saudades do sol, do calor, da liberdade de ir à praia ao fim da tarde, da Nhá Siara e do Tito. De comer mangas maduras até lhe doer a barriga... 
Rosarinho, como lhe chamavam à época, dera para sonhar com os olhos ternos de Alberto e, um dia, num arroubo de loucura, escreveu-lhe um bilhete.


Alberto, gosto de ti, sabes? Podes acompanhar-me a casa no final das aulas, se quiseres.


Rosarinho

Mal terminou de passar os exercícios de gramática que a professora Laurinda escrevera no quadro, lançou-se porta da sala fora, coração aos pulos, arrependida do que tinha feito. Estacou no portão do Liceu ao ouvir o seu nome na voz doce de Alberto. Sentiu a respiração ofegante dele, olhou-o, envergonhada, e, sem que nada o previsse, ele pespegou-lhe um beijo ruidoso na bochecha e pegou-lhe na mão para a levar a casa.

Fora há cinquenta anos. 


segunda-feira, maio 01, 2017

Papagaios (corrente Palmier)



Caiu a noite, a mulher deixou a bolsa pousada no sofá e saiu para a floresta. Os papagaios, amigos do sol, deram lugar aos mochos. Foi assim que regressou ao fundo branco da casa, de blusa amarela não-Neusa, com um mocho empoleirado em cada ombro.
(na continuação da saga da Palmier, seguida pela Linda, pela Flor, pela Mirone, pela ana, pela Cuca, pela Luísa e pelo Manel)


segunda-feira, abril 24, 2017

La vie pas en rose

(René Magritte)

Sabia que estava vivo. O coração batia, ritmado, e o sangue coloria-lhe as veias que lhe mapeavam o corpo num emaranhado de linhas que, absurdamente, ao invés de vermelhas apareciam azuis na pele branca. Lembrou-se como se cortara com a navalha do pai, uma vez, quando miúdo, para ver se tinha sangue azul. Sorriu. Azul, como o que diziam ter a Rosarinho de Albuquerque, que se sentava na carteira à frente da sua nas aulas de Francês da Madame Rose. Era linda, a Rosarinho! Pena que olhasse todos com um ar tão… altivo.
Sabia que estava vivo, mas não era capaz de conjugar o verbo être no passé composé e a Rosarinho ria-se, todos se riam. Até o Petit Patapouf parecia troçar, em Francês, claro!
- Alberto! chamou uma voz feminina.
Quem seria aquela? Lembrava-lhe vagamente alguém. Talvez uma colega da turma? Ah! Quase de certeza que era uma daquelas que se sentavam lá atrás e nunca queriam ir ao quadro. Sim, uma dessas.
- Alberto! Então? Trouxe-te torta de cenoura. Tu sempre gostaste da minha torta de cenoura. Raro foi o fim de semana da nossa vida em comum em que não a fiz para sobremesa. Estás a falar Francês, homem? Para o que te havia de dar!



quinta-feira, abril 06, 2017

Micas

(Pierre Bonnard)

Micas espreguiçou-se dengosamente. O sol viera cedo, e a vida entrava-lhe toda pela janela dentro em cheiros (torradas, café, flores, relva cortada, perfumes almiscarados e frutados), ruídos (risos, conversas, motores em andamento e em travagens, chilreios nos mais diversos tons) e cores (o azul claríssimo do céu pincelado do branco das nuvens). Sentiu-se particularmente tentada a debruçar-se na janela e ver o fervilhar da rua primaveril. Saltou para as costas do sofá amarelo e sentou-se no parapeito já aquecido pela temperatura amena, o pêlo dourado e brilhante refulgindo como âmbar.
-Micas! Micas! chamou uma voz doce de menina.

- Deve ser a Clarinha! pensou Micas. E, num salto ágil e elástico, voltou ao chão, ronronando até às mãos ternas da dona.


terça-feira, março 28, 2017

Filmes a ver



Fica um gosto amargo na boca, uma dor que parece nossa, que é nossa. Há uma Lisboa que não é a que amas, a que visitas pela luz, pela cor, pela beleza que te entra olhos dentro logo que avistas a gare do Oriente. Há uma solidão que fere, uma miséria que trespassa qualquer aparência, os ossos à vista. E depois, há um homem que carrega tudo isso num trabalho admirável: Nuno Lopes, em São Jorge, de Marco Martins.

domingo, março 26, 2017

Chama

(Ron Hicks)

De seda, os lábios
rubros
De linho, as mãos
nevadas
Em uníssono, ardem
noutros lábios,
noutras mãos

Juntos, feitos chama.


terça-feira, março 21, 2017

Embalo


Clara amanhecera cedo, por isso, deixara-se ficar na quentura dos lençóis até que o toque estridente do despertador soasse. Da rua, chegam-lhe chilreios alegres dos pássaros que ocupam, sem pagarem renda, as copas das árvores que lhe (s)ombreiam a janela do quarto, à mistura com o ruído difuso dos motores de um ou outro automóvel madrugador. De súbito, uma voz feminina entoa uma canção. Apura o ouvido, já que a acoroçoada melodia de gorjeios torna difícil distinguir a cantiga. Por fim, consegue! A voz clara e límpida ergue-se numa canção de embalar.

Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será pra ti
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme quinda à noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô


Bela, a canção do Zeca no feminino! Sorriu e desligou o despertador. Afinal, há sons melhores para começar o dia!