terça-feira, janeiro 13, 2015

Cinzento

(Maria Eu)


Havia dias coloridos, sabia-o. Contudo, aquele entardecera cinzento.







O dia deu em chuvoso

O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.

Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.

Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.

Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...

O dia deu em chuvoso.


Álvaro de Campos, in "Poemas"

6 comentários:

  1. Não nos deixar dominar pela tristeza e tentar afastar tristes pensamentos. Iludir as nossas inquietações, consolar o nosso coração, afastar para longe a tristeza: porque a tristeza matou a muitos e nela não há utilidade nenhuma…há dias assim, Maria!

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    1. Às vezes, engole-se a tristeza e pinta-se um sorriso.

      Beijinhos, Legionário! :)

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  2. O dia deu em cinzento?
    Um aborrecimento
    pode ser até tormento...
    A não ser que o pinte:
    duas pinceladas a guache
    numa côr tipo a condizer com
    as palavras do estendal,
    consoante melhor ache.

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