Ainda ontem fazia exercícios de mulher informada e pretensamente desligada, a comentar uma crónica do Miguel Esteves Cardoso (eu sei que podia escrever MEC mas detesto usar iniciais) sobre a pobreza. Pois que nem dou esmolas na rua, dizia eu, mas quando dava não ia dizer ao pobre que fosse gastar bem o dinheiro, ou o obrigava a sentar-se comigo na mesa do café para que comesse aquilo que eu entendesse dar-lhe. O pobre tem o direito de gastar a esmola conforme decidir.
Hoje, imprevistamente, uma voz familiar num corpo com uma cara menos familiar pediu: Dra., não me pode dar uns trocos? Acenei que não, com a cabeça. O corpo e a cara ficaram ali, na minha frente, a rapariga dona deles sentou-se no muro baixo do jardim, bem rente à cadeira vazia da mesa do café, fixando-me. Olhei-a. Primeiro de relance, depois de frente, estremecendo. A Ana tinha apenas a mesma cor dourada na pele, embora a da cara já não o seja. O cabelo loiro e suave desapareceu para dar lugar a uma cabeça rapada. O sorriso aberto deu lugar a um esgar que mostra falta de dentes. Tirei o porta-moedas da carteira e dei-lhe os trocos que tinha. Sem reflectir, dei por mim a dizer-lhe, enquanto ela ensaiava um agradecimento e metia as moedas no bolso: Agora vê lá se o gastas com juízo, rapariga!
Porra, que fiquei a limpar as lágrimas por detrás dos óculos de sol enquanto a via correr sei lá com que destino!
Deixe lá,acontece-me tantas vezes
ResponderEliminarDigo o que não penso
e penso o que não digo
(e também uso óculos)
Mais do que aquelas que gostariamos...
EliminarBeijinhos Marianos, Rogério! :)
O mendigo prefere um copo de vinho a um pão, porque o estômago da miséria necessita mais de ilusões que de alimento...
ResponderEliminarTerá sido um dos melhores comentários sobre a mendicidade que li nos últimos tempos. É sua? É poético e ao mesmo tempo profundo e real. Eu que sou Assistente Social sei bem o que é isso da ilusão da fome.
EliminarRealmente, a Uva tem razão! É uma definição muito boa, Legionário.
EliminarBeijinhos Marianos! :)
Às vezes passamos para além daquilo em que acreditamos.
EliminarBeijinhos Marianos, Uvinha! :)
Maria, dizem que a esmola perpetua a miséria. É certo. O assistencialismo tem os dias contados, mas o ato de dar assistência através da esmola é em si mesmo grandioso, porque dá à luz dois dos melhores sentimentos humanos. A compaixão e a humanidade.
ResponderEliminarUva Passa, o autor do meu coment. era Georges Bernanos, que por lapso não o mencionei.
ResponderEliminarTento não dar dinheiro, mas dou comida se a quiserem comer ao pé de mim. Já o fiz algumas vezes. Não me parece que a solução seja dar esmolas. Deveríamos sim alterar a sociedade, na mesma com classes, mas mais justa, com menos miséria !
ResponderEliminarMas quem sou eu ?! Sempre se deram esmolas e continuarão a dar-se !
Já passei por todas as fases. Dar dinehiro, dar comida, não dar nada. Mas esta rapariga, meu Deus! Eu conhecia esta rapariga! Linda que era e agora no fundo do poço... :(
EliminarBeijinhos Marianos, Ricardo!
Gostei do post e da música ... a fazer-me lembrar os sons de Eric Clapton !
ResponderEliminarSão bons, eles! :)
Eliminaràs vezes recebemos muito com o pouco que damos e só com o tempo percebemos isso...
ResponderEliminarbj*
Fica a dúvida, a cada vez...
EliminarBeijinhos Marianos, Tétisq! :)