terça-feira, junho 09, 2015

O (não)sonho Americano


(Jack T. Franklin Collection at AAMP)



Quando as notícias dão conta de mais um abuso policial na terra dos sonhos...

America

Although she feeds me bread of bitterness, 

And sinks into my throat her tiger’s tooth, 
Stealing my breath of life, 
I will confess I love this cultured hell that tests my youth! 
Her vigor flows like tides into my blood, 
Giving me strength erect against her hate. 
Her bigness sweeps my being like a flood. 
Yet as a rebel fronts a king in state, 
I stand within her walls with not a shred 
Of terror, malice, not a word of jeer. 
Darkly I gaze into the days ahead, 
And see her might and granite wonders there, 
Beneath the touch of Time’s unerring hand, 
Like priceless treasures sinking in the sand.

*Claude McKay, 1889 - 1948




America

Ainda que ela me alimente de pão fermentado a amargura
E me crave na garganta os seus dentes de tigre
Roubando-me o sopro da vida
Confesso que amo este inferno cultural que testa a minha juventude!
O seu vigor corre nas minhas veias como marés,
Dando-me força para me erguer contra o seu ódio.
A sua grandeza devasta-me como uma intempérie.
Porém, como um rebelde enfrenta um estado soberano
Mantenho-me dentro dos seus muros sem um pingo
De terror, de maldade, ou sequer uma palavra de escárnio.
Contemplo sombriamente os dias futuros
E vejo o seu poder e as suas maravilhas de granito,
Sob o toque da mão infalível do Tempo
Como tesouros inestimáveis afundando-se na areia.

Claude McKay, tradução livre de Maria Eu



 *Claude McKay, escritor jamaicano, mudou-se para Harlem em 1914. Foi um dos nomes mais importantes do movimento negro do renascimento de Harlem nos anos 20 e 30. A sua obra é uma voz contra o racismo.

14 comentários:

  1. Esse era o tempo em que as vozes eram claras, os discursos límpidos e as canções eram coerentes
    Hoje o negro é um assimilado que se perde nas contradições do sistema. E é pena
    Mas... do que por lá se passa, sabemos tão pouco

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    1. Os ecos que nos chegam não são nada tranquilizadores.

      Beijos, Rogério. :)

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  2. Querida Maria Eu,
    Que tradução tão boa. Parabéns.
    Apesar de ser resultado da "escória da humanidade", confesso o meu interesse pela cultura norte-americana.
    Bom dia,
    Outro Ente.

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    1. Muito obrigada!
      Eu também acho a cultura norte-americana muito interessante.

      Beijos, caríssimo Ente. :)

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  3. O sonho americano é tão grande que permite estes paradoxos intemporais, até o do presidente do sonho que não consegue inverter a impunidade do tratamento pela cor :)

    Não consigo decidir se tratas melhor a língua portuguesa, se a inglesa, nestas traduções magníficas :)

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    1. Acho que não é para entendermos, Ness.

      Muito, muito, obrigada!

      Beijos. :)

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  4. A precisão é uma virtude. Digo, então, que a Maria é virtuosa.
    Tão bem escolhido, o poema. A evocação dum mundo de contradição
    Sonho?

    Bj

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    1. Gosto que quem me lê se sinta em sintonia comigo!
      Muito obrigada!

      Beijos, Agostinho. :)

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  5. Maravilho poema Maria!!! Belíssima postagem esta tua!!!
    Beijos e beijos

    http://simplesmentelilly.blogspot.com.br/

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  6. O poema é o estado de alma do Velho do Restelo, de alguém que começa a duvidar e já antevê o fim do Império. O sonho de uns é sempre feito à custa dos outros que os velam.
    Vou procurar a escrita do Claude McKay!
    Beijos!

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    1. Porque será que esse sonho é feito à custa de outros?
      Lê, sim. Vais gostar.

      Beijos, Luís. :)

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