Tinha recebido a carta na Segunda-feira e,
apesar de ser já Domingo, não a abrira. A letra elegante e levemente
inclinada para a direita do endereço era-lhe por demais familiar. Fora
buscar a correspondência, como era hábito, à caixa de correio do portão
da quinta. Chovia. Havia uma quantidade infernal de prospectos
publicitários e, no meio deles, o envelope branco, onde ressaltava a
letra azul com o seu nome e endereço. Não constava remetente, nem seria
preciso.
O almoço foi lauto. Mesmo
sozinha, dera-se ao trabalho de assar uma perna de cordeiro com
batatinhas novas, polvilhadas com tomilho, e de saltear grelos em azeite e
alho. A ementa pedia um vinho tinto. Abriu uma garrafa de Chryseia 2009
e bebeu com prazer, deixando-a pela metade. O envelope, pousara-o
frente ao prato, onde o podia ver. Já estava em mau estado, de ter sido
guardado no bolso do casaco de malha durante dias.
"- Abro-o depois da sobremesa." pensou, enquanto escolhia um figo na fruteira.
Maria
do Carmo abriu as janelas de par em par, deixando entrar o sol a jorros
na sala. Era tempo de arrumar os pertences da mãe. A sua morte súbita
deixara-a com um buraco no peito e a casa permanecera fechada desde o
funeral, há mais de um ano. Na sala de jantar, chamou-lhe a atenção uma
mancha branca junto à carpete onde assentava a mesa. Baixou-se para ver
melhor e, puxando-a, descobriu um envelope com o nome da mãe e o
endereço escritos a azul, numa letra elegante e inclinada para a
direita. Tinha sido aberto cuidadosamente, pois não apresentava sinais
de rasgado. Puxou a carta que continha.
Meu amor
Nunca te esqueci. Soube-te só.
Amanhã, depois destes anos todos, abraçar-te-ei.
Teu,
José António
Nunca se chegaram a abraçar.
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ResponderEliminar.
. belíssimo e intimista . reservado e contextual . como um desvelo . a clarear o dia . :) .
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. um bom.domingo .
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. um beijo meu .
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Muito obrigada, Paulo! :)
EliminarBeijos. :)
Vem o Outono mansamente com seus frutos e de repente é Inverno.
ResponderEliminarTambém gosto do vinho do Douro e da Touriga Nacional. A memória que tenho das tabernas antigas é feita com o odor da poalha húmida do carvão e o vinho do lote cuja base era a Touriga Nacional.
As Estações sucedem-se velozmente.
EliminarE o serrim a cobrir o chão? :)
Beijinhos, Luís. :)
Existir é tudo e não existir é nada...
ResponderEliminarBoa semana, Maria! :)
Fragilidade.
EliminarBeijinhos, Legionário. :)
Hoje já não se escrevem cartas
ResponderEliminarSem que por isso o coração seja mais resistente....
O coração tem sempre as suas fragilidades.
EliminarBeijinhos, Rogério. :)
Que frio, que desgosto a matou?
ResponderEliminarA ausência do amor?
Aquela mulher, carente, quis celebrar o amor que lhe chagara de longe -
marido emigrado? Vidas.
Talvez o saber-se amada, assim, de repente.
EliminarBeijinhos, Agostinho. :)
A força que teria esse abraço se tivesse acontecido!
ResponderEliminarMomento que valeria pela vida.
Beijo Maria
Talvez fosse essa força imaginada que fez o coração falhar...
EliminarBeijo, I. :)