(Sandu LIBERMAN (1923-1977), Father And Daughter)
(...) Lembro-me de que essa manhã foi invadida por um aguaceiro desalmado, ouvia-se uma chuva grossa e pesada lá fora mas deve ter sido passageira porque quando acabou a Edite ainda estava ao telefone. A partir de então tudo o que sei é que me pus ao espelho da casa de banho a barbear-me com a passividade de quem está a barbear um ausente - e foi ali.
Sim, foi ali. Tanto quanto é possível localizar-se uma fracção mais que secreta de vida, foi naquele lugar e naquele instante que eu, frente a frente com a minha imagem no espelho mas já desligado dela, me transferi para um Outro sem nome e sem memória e por consequência incapaz da menor relação passado-presente, de imagem-objecto, do eu com outro alguém ou do real com a visão que o abstracto contém. Ele. O mesmo que a mulher (Edite, chama-se ela mas nada garante que esse homem ainda lhe conheça o nome, que não a considere apenas um facto, uma presença) exacto, esse mesmo Ele, o tal que a Edite irá encontrar, não tarda muito, a pentear-se com uma escova de dentes antes de partirem de urgência para o Hospital de Santa Maria e o mesmo que, dias depois, uma enfermeira surpreenderá em igual operação ao espelho do lavatório do quarto.(...)
DE PROFUNDIS, VALSA LENTA, José Cardoso Pires
Havia um homem forte, de mãos que entravam trabalho adentro com a vontade de um amante furioso. Não sei se algum dia terá dito "amo-te" ou se apenas terá abraçado sem palavras. Pequeno, era rebelde. Adulto, foi servil. Um dia, não era ele aquele que os outros viam. Talvez por dentro fosse o mesmo mas as palavras se tivessem tornado (ainda mais) difíceis. As mãos, essas continuam extraordinariamente fortes, a contrastar com o corpo, entrando abraços adentro.
Muitos filhos seguindo a lei da "natureza" já passaram por isso outros irão passar por esta situação...quando deixamos de ter os nossos pais entre nós, até que ponto lamentamos não lhes havermos dado mais do nosso tempo!
ResponderEliminarEu ainda tenho os meus pais, mas só de pensar nessa situação invade-me uma profunda tristeza.
Tremo, também.
EliminarBeijo, Legionário. :)
Sinto tanta falta do abraço do meu.... :)
ResponderEliminarUm abraço, Maria.
EliminarO meu nunca foi um homem de muitos beijos ou muitos abraços... mas os últimos anos de vida compensaram todos os outros. Já avô,foi mais terno do que como pai. Afinal... a tarefa de educar já não era dele.
ResponderEliminarSaudades sim!
Abraço em ti, apertadinho!
Vê-lo perdido....
EliminarBeijo, amiga. :)
Os laços filiais são os que nunca temos demais.
ResponderEliminarLaços apertados, mesmo que laços abraços.
Beijos.
São mesmo, Uva!
EliminarBeijo. :)
Às vezes as saudades do meu Pai vagueiam em mim. Lembro-me sempre dos momentos mais importantes e passados com ele !
ResponderEliminarBonita publicação Maria
Somos assim, perecíveis...
EliminarObrigada.
Beijo, Ricardo. :)
Que bonito, Maria. O nosso pai é sempre grande, especialmente quando têm os braços grandes sinal de um enorme coração (e o que sofrem quando não o sabem dizer...)
ResponderEliminarO meu é. Grande! Embora tenha vivido poucos anos com ele, foi-se embora ainda eu era adolescente, digo é porque continua a marcar presença nos meus sonhos.
Bj
O meu ainda abraça, apesar de tudo...
EliminarObrigada, Agostinho.
Beijos. :)
Li o De Profundis imediatamente procurando ajuda e respostas. Ofereci o livro logo em seguida pois é daqueles livros que me era impossível manter. O meu pai que também se chamava José partiu logo em Setembro desse mesmo ano, o Cardoso Pires quase um ano depois.
ResponderEliminarO que escreveste poderia descrever o meu pai. E quando escrevo isto não pretendo suavizar a imagem da relação difícil que tive com o meu pai nem apropriar-me da tua. Não sei se na escrita conseguiste captar um tempo em que havia pessoas assim ou se é mesmo a própria relação que nos liga ao pai que conseguiste espelhar literáriamente. Agradeço-te a memória que despertáste e o deslumbramento.
Muito obrigada, Luís.
ResponderEliminarAqui está o meu pai e muitos outros pais...
Beijo. :)
Ah, Maria!
ResponderEliminarAs emoções que despertam (se é que alguma vez dormem) quando se lê coisinhas assim, que saem dum outro coração que também ele, guarda emoções semelhantes.
Estas coisas são fortes como um raio.
bj mg
Irmanadas no sentimento. As palavras partilhadas têm também esse efeito.
EliminarUm beijo, Carmem.