domingo, novembro 30, 2014

Osmose

(Claire Streetart)

"Um beijo muda tudo muda o quê. Diga-se que ter beijado aquela pessoa, e estar perto de chamar-lhe agora «aquela pessoa», mudava tudo num momento, diga-se então como é que foi:
Foi a minha vida a girar ao contrário, ter tocado no fundo noutro corpo, tê-la ouvido falar de mim como se falasse de si das suas próprias forças - o pássaro do paraíso batendo asas ao contrário, um retorno inesperado à hora antiga em que deuses e demónios não se reconheciam nem como imagem uns dos outros. 
Não havia espelhos que me ajudassem agora, estava tudo reflectido, a minha vida não ia ser feita para me amparar, eu tinha amparado a cabeça noutro ombro, e nunca mais seria o mesmo.
«Não fiz camadas do meu ser só para ti.» Mas parecia que era isso."

Retirado de Osmose, conto de Sérgio Godinho, no seu novíssimo livro "Vidadupla", título escrito assim, as duas palavras juntas, como as duas vidas que, afinal, são uma só. Diz o Sérgio que a escrita é musical. Tem que ser musical, como dizia Cèline, ter "la petite musique".


8 comentários:

  1. Dizia o Chico, entrevistado a seguir ao lançamento do seu "Leite Derramado": «Escrevo duas três páginas, depois leio. Se soar como quem canta, nada altero...»

    Cito de cor.

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    1. Como eu, Rogério, cito de cor o Sérgio. :)))

      Beijinhos Marianos! :)

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    1. Depende da pessoa e do ponto de vista, julgo, Luísa! Algumas, provavelmente, nem terão uma...

      Beijinhos Marianos! :)

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  3. A escrita é musical sim
    e é no tempo do silêncio
    que tudo muda.
    A pausa de semibreve espera
    o beijo que “emuda”
    deitada nas linhas da pauta.
    Ponham-se à escuta do tim-
    bre do reverbero de cada som.
    A escrita é musical sim.

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    1. Podemos, até, ouvi-la. :)

      Beijinho Marianos, Agostinho! :)

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  4. Osmose...uma pessoa muito apaixonada, transmite seu amor, no sentido figurado, a uma pessoa que tenha menos amor que ele e a troca ocorre até que os dois tenham a mesma “quantidade” de amor. Ou seja: o amor diminui para um e aumenta para outro. No ato sexual seria bem aplicada quando uma das pessoas “ não estivesse a fim” e fosse contagiada pela desejo da outra e no final as duas ficariam satisfeitas, com mesmo grau de prazer dado e sentido...!

    Boa semana, Maria:)

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