Mariana, a mulher de olhar doce e fundas olheiras, chegara à empresa há pouco mais de um ano. Era Verão e estranharam-lhe as mangas compridas e as blusas de botões apertados até ao colarinho, embrulhadas naquela quietude tímida que trazia pela manhã e a deixava quase sempre calada até à hora de saída. De nada lhe valia a educação impecável ou o trabalho dedicado. As colegas de escritório não lhe perdoavam o distanciamento nas conversas durante as pausas para café ou as ausências nos almoços de convívio mensais.
"- Já viste a deslavada da contabilidade? Pffffffff! Sempre de olhos baixos, sempre coberta da cabeça aos pés!"
"- Coitada, deve ter uma doença de pele, para se cobrir daquela maneira!"
Foi então que, numa manhã de segunda-feira, Mariana tropeçou no tapete da porta de entrada, batendo com a cabeça e desmaiando. Chamaram o 112 e João Carlos, o telefonista que em tempos fizera dois anos na escola de enfermagem, começou a desapertar-lhe a blusa na tentativa de a ajudar a respirar melhor. Aos olhos de todos, apareceu a justificação para tanto cuidado. O peito estava coberto de cicatrizes, assim como o braço desnudado pelo técnico do INEM para medir a tensão.
Houve um murmúrio inquieto. Soube-se mais tarde que Mariana nem era sequer o nome verdadeiro da rapariga da contabilidade. Há muito que fugia de um companheiro violento que quase a matara de pancada porque ela se atrevia a ir tomar café sem ele.
Adorei! Sigo :D
ResponderEliminarObrigada pelas palavras, Adriana.
EliminarBeijos :)
A violência tem contornos muito finos e surge quando e onde menos se espera. Pergunto-me quantas Marianas haverá por aí.
ResponderEliminarBeijos, Maria :)
Muitas, decerto! Algumas que conhecemos e muitas outras que nem sonhamos, infelizmente!
EliminarBeijos, Linda :)
Sabia que até as crianças têm que trocar de nome numa situação dessas? Já o agressor permanece na sua vidinha...Há que lutar pelas e com as Marianas deste mundo, obrigada por a trazer.
ResponderEliminar~CC~
Um mundo do avesso, no qual as vítimas são ainda mais ostracizadas. Muito triste!
EliminarSomos todas Marianas... Temos obrigação de divulgar!
Beijos, CC :)
Que pena não haver ninguém entre as colegas capaz de uma atitude um bocadinho maior do que chamar-lhe deslavada.
ResponderEliminarPor vezes penso que se os agressores ficam tantas vezes impunes, também se deve a não haver muitas pessoas das ditas normais que sejam capazes de dar uma mão, capazes de olhar com mais atenção para quem vive na escuridão.
Bom fim de semana, Maria.
:-)
Indiferença. É uma moderna forma de agir...
EliminarBeijos, Susana, e uma boa semana :)
primeiras impressões e pessoas que se acham muito sábias, enfim...
ResponderEliminarque talento o do PP tem mesmo um olhar vago e vazio e tão bem (infelizmente) a tua história que pode ser ou não verídica.
Verídica ou não replica a história de tantas mulheres que é inevitável recordarmos algumas. Houvesse uma acção séria e talvez as coisas começassem a mudar.
EliminarBeijinhos, Urso Misha :)
Ao começar a ler lembrei-me da "Amélia dos olhos doces" de Carlos Mendes ! :))
ResponderEliminar... mas logo vi que nada tinha a ver uma coisa com a outra ! :( ... Há pessoas assim, não, se por envergonhadas, se introvertidas, o certo é que chamam a atenção por isso mesmo e de modo desagradável. :(
Infelizmente, mais um infeliz caso do triste quotidiano, que "JÁ CHEGA" ,..."JÁ BASTA", que é tão revoltante e se continua a verificar ! :((
Como poderia ela viver e apresentar-se de outro modo ?... (e mal julgada por isso, quando deveria merecer a atenção de todas), mas fundamentalmente, como seria possível ela aceitar este tipo de vida com esse "companheiro" ?... Isto, casos destes, têm que acabar !!!
A música muito bem escolhida (e a letra) :
Espero Que Exista Alguém
Que cuidará de mim
Que deixará meu coração livre
Existe um fantasma no horizonte
Como posso eu dormir a noite?
Como poderei descansar minha cabeça?
Beijinho, Maria EU
Obrigada pela tua atenção aos detalhes, Rui!
EliminarÉ tudo tão incompreensível para mim, nesta questão da violência. E não é apenas na deste tipo! Mas esta dói mais por ser entre aqueles que deveriam amar-se e respeitar-se.
Beijinhos, Rui :)
infelizmente parece um problema sem fim à vista e com tendências a aumentar... e com aquela do "entre marido e mulher, não metas a colher" ninguém se arrisca a interferir, mesmo quando toda a gente sabe o que acontece...
ResponderEliminarAh, Manel, como esse maldito ditado é absurdo!
EliminarBeijinhos :)
São cerca de 400 mulheres mortas às vis mãos dos seus "companheiros" em menos de 10 anos.
ResponderEliminarÉ urgente "meter colher".
Bom dia, Maria Eu.
Põe urgente nisso, Impontual!
EliminarBeijinhos e boa noite :)
Definitely Picasso's "blue period."
ResponderEliminarLove this beautiful, hopeful music video.
Nice selection.
xoxo
(Be happy.) 😍
Have a good week!
EliminarKisses, Rick :)
Há dias deparei-me com uma Mariana, que tinha que atender clientes num lugar por onde passam centenas de clientes -- e com marca de agressão bem visível num dos olhos. Para além da violência original, imagino a violência que era estar ali, exposta, fragilizada. Há dois a três por cento de psicopatas e sociopatas na sociedade. Estas são as suas vítimas. Ninguém deverá meter a colher? Não estou tão certo assim...
ResponderEliminarBoa tarde, Maria.
Parece haver uma cortina de silêncio quando se trata de violência num casal. Não sei se é uma questão cultural que deixou marcas de um país de machos, de homens que saíam e deixavam as mulheres em casa, de leis que diziam do direito de impedir a mulher de sair do país, entre tantas outras coisas.
EliminarHá que agir, definitivamente!
Beijinhos, Xil, e uma boa noite :)
Tivesse sido eu a acudir-lhe
ResponderEliminarnão me surpreenderia
aliás, já nada me surpreende
hoje em dia
ocorre-me um chamado
a 11 de Março
Tão triste que já nada nos surpreenda, Rogério!
EliminarBeijinhos :)
Que horror!! Doloroso saber que tantas mulheres são vítimas de violência física e não só!!
ResponderEliminarÉ sempre bom tratar este tema! Para que não se nos esqueça.
Beijinho.
É terrível, Graça. Sem esquecermos que, a maior parte das vezes, há crianças vitimizadas, também.
EliminarBeijos :)
A violência doméstica provoca dor e traumas muito maiores do que as marcas visíveis de hematomas e cicatrizes.:(
ResponderEliminarBom Domingo, Maria.:)
Todas as cicatrizes contam, embora as interiores sejam ainda mais duras.
EliminarBeijinhos, Legionário :)
Os julgamentos que fazemos nem sempre sou os melhores, triste história, como outras tantas, bjs
ResponderEliminarbom domingo
Muitos escondem dores onde outros só encontram desvios.
EliminarBeijos, Zulmira :)
A prova de que as aparências enganam e que a nós todos cabe o dever de ajudar e cuidar ao invés de julgar..
ResponderEliminarBoa semana Maria
Tanta gente que apenas olha para o seu umbigo...
EliminarBeijos, GM, e uma óptima semana :)
Uma história muito bem contada que nos conduz a um final inquietante. Parece impossível que a violência doméstica faça o seu caminho, destruindo quem é vítima dela... Quanto aos julgamentos apressados são cada vez mais naturais...
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.
Tanto se julga pelas aparências. Tão pouco se reflecte sobre o que pode afectar quem nos rodeia.
EliminarBeijos, Graça, e uma excelente semana :)
Maria, bom dia.
ResponderEliminarBoa estória a recordar 2 problemas tão comuns na vida das pessoas e que persistem na nossa sociedade pseudo educada e civilizada: o corte e costura e a violência de trogloditas.
Bj.
Boa noite, Agostinho.
EliminarÉ uma realidade tão dura e tão incompreendida.
Beijinhos :)
A corrente que prende quem sofre a agressão ao agressor é difícil de compreender e de quebrar. Só com a passagem a crime público se iniciou lentamente a mudança. A escola também não ajuda até porque por muito que instrua não educa e mesmo em pessoas supostamente educadas esta violência acontece. A televisão aliena mesmo quando noticia estes crimes e se perde nos detalhes mórbidos propagando uma cultura instalada que geralmente protege o mais forte. A tua escrita é mais um grão para parar a engrenagem que sempre arranca de novo.
ResponderEliminarGostaria que fosse um grão, ainda que minúsculo, Luís. De resto, tudo o que dizes é tão acertado que nada tenho a acrescentar.
EliminarBeijinhos :)