(Bartolomeo Schedoni - The Martyrdom of Saint Sebastian)
"(...) às vezes quando vou à confissão com outros tipos da escola o padre manda a gente esperar pela nossa vez na sacristia que é pra não fazermos barulho na igreja e então na sacristia há lá uns santos e umas santas e eu gosto sobretudo de ver o santo Espedido porque parece um gajo daqueles filmes que se passam antigamente porque tem uma espécie de armadura e tudo mas esse não é o problema o problema é a santa Filomena e também a santa Madalena que são muito bonitas e até o são Sabastião a modos que me incomoda porque é tão bonito que parece uma miúda a gente só vê que não é uma miúda porque está quase nu e as santas não se põem assim e então o que acontece é que se eu não tinha pecado em pensamento antes de entrar na sacristia quando vou pró confessionário aí é que já pequei."
João Aguiar, in Navegador Solitário
Clarinha entrou na sala num repente, cabelo em desalinho da correria desde a igreja.
"- Oh, mãe, o Sr. Padre fez-me perguntas esquisitas!"
"- Como assim, esquisitas, menina? Esta canalha!"
"- Sim! Fui à confissão esta manhã, depois da catequese, e o Sr. Padre... Mas não é pecado, eu dizer? Foi na confissão! Depois não tenho que me confessar disso?"
"- Mau! Diz lá que depois eu logo resolvo esse problema! Diabo da miúda!"
"- Eu disse que tinha batido no Zé da Mena e que (corou) menti ao pai ontem ao dizer que a mana estava no quarto quando estava ao portão com o José. Então, ele perguntou: E mais nada? Não tens tido pensamentos impuros? E eu nem sei o que ele queria dizer com aquilo, mãe! E repeti que só tinha aqueles pecados e mais nenhuns e ele a rir-se. E continuava: Tens a certeza que ainda não pensas em rapazes? E então eu..."
A mãe, com expressão carregada, interrompeu-a:
"- Tu nem me contes mais nada! Tu nem me contes mais nada!" Ia a sair da sala mas, virou-se para trás e ordenou:"- Tu nunca mais vais ao confessionário, ouviste? Nunca mais!"
Nem Clarinha, nem mais ninguém da família. Dali em diante, cada um se passou a confessar a Deus, em "ligação directa".
Ligação directa?
ResponderEliminarTambém já pensei nisso... achas que a vodafone tem tarifário razoável?
(o Aguiar, é estilo rogerito?)
Acho que é gratuito! ;)
Eliminar(o Aguiar tem uma obra que eu muito aprecio. morreu precocemente. este livro é uma delícia e vai evoluindo de forma inesperada, à medida que a escrita melhora, também)
Beijinhos, Rogério :)
Sem dúvida! Ter linha directa é uma beleza. Isto dos intermediários em negócios íntímos tem coisa...
ResponderEliminarRi-me à brava. E mais, faço uma pergunta ingénua: que razão motivava que as encomendas das pinturas e esculturas dos santos e santas fossem em grande parte figuras esbeltas e porventura sedutoras?
Isto dava um belo ensaio, não?
Deliciosa a tua narrativa.
BFS.
Ler este livro do João Aguiar é uma delícia.
EliminarOlha que essa questão dos santos e santas é de pensar!
Obrigada!
Beijinhos, Agostinho :)
Beautiful post (as always.)
ResponderEliminarI love those old instruments,
and what a voice. Wow.
I enjoy you . . .
xo
Philippe Jaroussky has a celestial voice!
EliminarKisses, Rick :)
faz-me confusão isso da confissão...
ResponderEliminarNão é só a ti, Manel!
EliminarBeijocas :)
Confissão eu faço a DEUS, que não relegou esse privilégio a ninguém, tão imperfeitos como nós,
ResponderEliminargostei do relato Maria, bom fim de semana, bjs
Fazes tu muito bem!
EliminarObrigada, Zulmira, e uma boa semana :)
Maria, acho que o tema "Personal Jesus" dos Depeche Mode também ficaria bem aqui...
ResponderEliminarQuanto a “confissão” desde que fiz a Primeira Comunhão, das minhas confissões só Deus sabe as “conversas” que tenho com Ele.;)
Muito bom, esse tema!
EliminarConfesso que não me confesso. ;)
Beijinhos, Legionário :)
"Confissão" ... coisa tão desnecessária e causadora de tanta "infelicidade individual e conjugal em décadas passadas ! :(
ResponderEliminarImpressionante o mal que se fazia à juventude e adolescência desses (maus) tempos ! :)
Como era possível, nesses tempos, considerar-se pecaminoso o conhecimento e exploração do próprio corpo ?! ... :((( ...
Como pode o amor físico ser considerado um pecado ??? ...
Como poderiam os padres "baralhar" desse modo as mentes jovens e fazê-las carregar verdadeiros pesadelos ?...
Absolutamente lamentável, Maria Eu . :((
... E já agora, curioso, porque não se vêem santas despidas e se vêem Deusas ? ... rsrsrs
Beijo ! :)
Tens toda a razão, Rui! A culpa que tantos carregavam, apesar das penitências cumpridas, infligida pelos padres no confessionário!
EliminarSim, as Deusas são umas desavergonhadas! Eheheheheh!
Beijinhos, Rui :)
tive que lá ir por conta da catequese, mas penso que pecava mais no cubículo do que cá fora, uma vez que, inventava algumas situações, para o padre se calar com as perguntas, vinha logo a penitência e era um alívio.
ResponderEliminarAcho que isso era comum, Mia!
EliminarBeijos :)
Crescemos e aprendemos. Ainda bem!
ResponderEliminarBeijos, KK :)
Escolhi este porque tem mesmo uma beleza feminina, apesar dos músculos. Até a pose é feminina!
ResponderEliminarNão me canso de o ouvir!
ResponderEliminarQuantas Clarinhas haverá?
ResponderEliminarIrritava-me solenemente quando era garoto o padre dizer quais eram os meus pecados.
Os que cometia e outros que nem por isso.
Também optei há já muitos anos pela "ligação directa".
Boa semana
A Igreja tem uns representantes assaz canhestros.
EliminarBeijinhos, Pedro :)
João Aguiar é um grande escritor. Achei delicioso o texto.
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.
Adoro a escrita dele. Tão versátil nas temáticas. E este livro, então, é dos meus favoritos de sempre.
EliminarBeijos, Graça, e bom final de Domingo :)
quando éramos pequenas, inventariávamos pecados e ganhava a que tivesse o maior número, uns verdadeiros, a maior parte falsa
ResponderEliminarDeus não precisa de ligações indiretas e nós também não
um abraço, Maria
Como concordo contigo, Manuela!
EliminarBeijos :)