Ana Rita olha-me com altivez, do alto do seu metro e trinta. Uns olhos verdes intensos e um cabelo ruivo, faiscante, a realçar o rostinho branco e sardento que coroa o seu corpo frágil de menina de oito anos.
- Cheguei agora da minha aula de violino, sabes? diz-me.
Eu sei. Sei, também, que faz ballet, aprende Alemão, faz equitação e ainda tem aulas de pintura. Vive mesmo ali ao lado, a Ana Rita, e vejo-a a sair logo pela manhãzinha e a regressar bem para lá das oito da noite, umas vezes de tutu, outras de botas de montar, outras, ainda, com a caixa do violino. É a D.ª Agostinha que a vai buscar ao colégio privado onde estuda e a traz para casa, ajudando-a com o peso extra da mochila. A mãe não consegue chegar do gabinete de arquitectura antes das nove e o pai anda num corre corre em viagens constantes. É muito empertigada, a Ana Rita. Hoje está assim, confiante, afinal as aulas começaram e não tem tempo para respirar de tantas actividades extra a tomarem-lhe o espírito e o corpo. Há pouco tempo, porém, corriam as férias de Verão, colégio encerrado, vinha até à sebe que separa a sua casa da minha e perguntava-me, com ar perdido:
- O que achas que posso fazer? Não sei o que fazer!
- Brinca! Tens um jardim tão bonito, um cão, brinquedos! respondia-lhe.
Não passava muito tempo sem que me arrancasse à leitura.
- Não sei brincar assim. Aborreço-me. Não sei estar sozinha sem fazer nada.
E a menina desafiadora ficava frágil e perdida.
De repente, lembrei-me de quando a escola acabava às 4 da tarde e as brincadeiras iam até à hora de jantar, sem cavalo, violino, professora particular ou ballet. De quando um ramo de árvore era esse cavalo, e se dançava ao som de cantorias estridentes, entre risinhos patetas de alegria e nunca nos aborrecíamos.