- Pai, venha para dentro! Olhe como tem os braços arrepiados de frio! Vá, venha!
- Senta-te tu aqui um bocadinho. Estou a contar os pássaros.
- A contar os pássaros? Ora, o disparate! Eles são tantos que nunca lhes vai ter a conta.
- Anda para aqui e vais ver como faço. Se te sentares do lado da grade, tiras-me o vento.
Puxou uma cadeira e sentou-se. O rosto enrugado do pai abriu-se num sorriso.
- A minha menina! Estás cá hoje?
- Estou, pois, desde há uns dias. Não se lembra? Então, ontem, até fomos dar um passeio pela quinta. Fomos ver as uvas a aprontarem-se para a vindima.
- Estava aqui a pensar nos pássaros. Nos pássaros e nos filhos deles. São amigos dos filhos. A minha mãe não gostava de mim.
- Como assim, não gostava de si? Gostava, claro!
A cara dele ficou sombria e os olhos encheram-se-lhe de lágrimas.
- Eu sei que não gostava. Batia-me. Uma vez, de tão cansado de apanhar que eu estava, fui procurar um poço, daqueles muito fundos, para me atirar.
- Não diga isso da avó! Ela tinha muitos filhos, estava cansada, era só isso.
- Os outros podiam fazer tudo, eu não. Apanhava logo. (...) Já viste aquela rolinha? Olha que linda, ali a arrulhar. Vieste agora, foi? Ficas para o jantar?
Ficaram ali, a ver os pássaros. Afinal, não era preciso saber contar e ela tirava-lhe o vento que atravessava as grades.
O Amor, tem uma capacidade de adaptação às circunstâncias incrível. É flexível. Mas para que assim seja, necessita de uma construção sólida, cimentada ao longo dos anos. Refiro-me ao Amor que mesmo contrariando acordos ortográficos, merece um A dos grandes, não de artificialidade, nem de dados que se presumem adquiridos por parentesco. O de A grande, pode até revoltar-se, que também não é nenhum santo, mas acaba por ficar "a ver os pássaros" e até a contá-los e faz de conta que a pergunta "vieste agora, foi?" só foi feita uma vez.
ResponderEliminarBeijinhos, Maria. :)
Nem sempre é fácil, este amor, como qualquer amor.
EliminarBeijos, Cláudia. :)
Um aconchego feito, aparentemente, de pequenas coisas.
ResponderEliminarE há pais que não gostam dos filhos. É triste, mas há.
[E tu não podes passar sem os pássaros!]
Beijo, Maria.
Custa pensar que haja...
Eliminar(Não, não posso.)
Beijos, Isabel. :)
sabe, é tão bom poder olhar para eles, para os nossos pais.
ResponderEliminarparabéns pelo texto Maria.
É mesmo, Ana!
EliminarMuito obrigada, mesmo.
Beijos. :)
Nós somos a mãe que tivemos e esse pai parece ser um homem bom!
ResponderEliminar- É belo sentar-mo-nos
junto de um contador de pássaros -
(bonito, isto!)
Principalmente quando amamos esse contador.
Eliminar(obrigada, muito)
Beijos, Rogério. :)
A contar pássaros se conferem laços que prendem
ResponderEliminarnum jogo de afectos e cumplicidades. E até pode haver a felicidade de uma rola.
Boa noite
Pode haver, até, silêncios felizes.
EliminarBeijos, Agostinho. :)
a vida e o amor são feitos de pequenos gestos e história ou texto foi bonito de se ler.
ResponderEliminar"Só" porque a minha filha gosta de estrelas cadentes, ontem "preparei-lhe" uma surpresa, ver as estrelas cadentes, era ver uma criança muito feliz...
Bom dia.
:))))
EliminarTão bom, surpreendermos os nossos filhos, não é?
Beijinhos, Urso Misha. :)
Maria, como seria "estranho" se as crianças conhecessem como eram os seus pais antes de terem nascido, quando ainda não eram pais, mas simplesmente eles próprios.
ResponderEliminarEstranho e nada verosímil! :)
EliminarBeijinhos, Legionário. :)
Que bonito!! seus contos são lindos Maria
ResponderEliminarficaria aqui a manhã inteira, lendo a extasiar...
Muito obrigada, Lis.
EliminarBeijos. :)