Ardente, o dia. Chegam fiapos cor de carvão trazidos pelo vento errático que cobrem o chão do terraço, o jardim, a água do poço. Há um corrupio de helicópteros, o ruído dos rotores das hélices a sobrepor-se ao habitual sossego do campo. É certo que os cães ladram ainda mais e os galos, estranhamente, cantam a espaços, estridulantes. Abafa-se. O céu, coberto de fumo, não deixa antever o sol que apenas se adivinha brilhante pela elevada temperatura. Maria Antónia vê a serra em chamas e entristece-se. Quantas vezes calcorreara os seus caminhos íngremes de mão dada com o pai.
- Olha, menina, um bufo!
- O que é um bufo, pai?
- É aquele pássaro cinzento, ali, parecido com uma coruja.
- E aquilo ali, é o quê?
- É um lagarto, não lhe vês as escamas do dorso e a cauda? Deve estar a caçar algum insecto, por isso não lhe vemos a cabeça, escondida no meio da urze.
E era um sem fim de perguntas, a mão sempre apertada naquela outra, forte.
- Não há cobras aqui, pois não, pai?
- Ora, menina, se as houver eu dou-lhes com um pau que elas fogem logo!
E ela acreditava que nunca, enquanto tivesse a sua mão assim segura, haveria perigo ou acidente que a atingissem.
Queimada, agora, a serra. Talvez porque já não havia nenhuns dedos à volta dos seus.
Num texto belo, entretenho-me a redescobrir as palavras
ResponderEliminarPau
Tem um sentido preciso.
Rima com mão...
Dedos,
com medos
Pai,
com ausências
Fico sem palavras perante um comentário como o teu, Rogério. Obrigada!
EliminarBeijinhos. :)
Mãos ateadas
ResponderEliminarExcelente
E as sirenes que não param!
EliminarMuito obrigada, caro MA. Beijinhos.
Fez-me lembrar muito a minha neta... A perguntadora de serviço, com três anos e meio. ;)))
ResponderEliminarQuero muito ter netos! :)
Eliminarbeijos, Isabel. :)
Querida Maria Eu,
ResponderEliminarÉ desolador. Há cerca de 15 anos houve um incêndio que me queimou uns hectares e chegou perto da casa da herdade. Na altura ainda não tinha coberto a piscina e alguns helicópteros chegaram a ir ali abastecer água. Depois, durante muito tempo, o cenário era mais do que dantesco-literário, era triste-carvão. A primavera não apaga a aflição nem as mãos dos que acorreram a ajudar. Serão outras mãos menina Maria, mas enquanto existirem boas mãos Antónia nada terá a temer.
Um beijo,
Outro Ente.
Há mãos que se queriam decepadas enquanto outras se querem cuidadas com todo o carinho.
EliminarBeijinho, caro Ente, e uma boa tarde. :)
Para além de nos roubarem os caminhos de boas memórias, roubam a beleza à paisagem, roubam o modo de vida a gentes... e tantas vezes (vezes demais) por mãos e dedos armados apenas de maldade.
ResponderEliminarNão entendo essas mãos. Só as outras, as carinhosas.
EliminarBeijos, noname. :)
Tem razão a Maria Antónia, é a mão que dá segurnça à outra mão.
ResponderEliminarFalta à serra a mão que a acarinhe e à lebre e à cobra e à águia e à ...
Parabéns, Maria, texto excelente, com tempêro e ritmo certos.
Faltam as mãos cuidadoras e sobram as outras, as que destroem...
EliminarMuito obrigada pelas gentis palavras.
Beijinhos e uma boa noite. :)
Olá, Maria.
ResponderEliminarTens um dom de fazer de pequenos textos uma poesia ímpar que ainda nos dá moral. Gosto. Demais.
Realmente, faltam dedos bons e capazes de segurar com firmeza e carinho bastantes para não deixar que tanta vida arda, assim, como se nada fosse. O crime tornou-se banal num mundo de pernas para o ar que, quando põe os pés no chão, até estranhamos.
bjn amg
Muito, muito obrigada, Carmem!
EliminarFazem muita falta algumas mãos...
Beijos. :)
também acredito que existem mãos solitárias que, talvez, apenas precisem de uma mãozinha.
ResponderEliminarcreio que as mãos podem ser as obreiras dos sonhos, os seus anjos da guarda e o seu alimento.
os teus posts são magníficos.
As mãos dizem de nós mais do que possa parecer.
EliminarObrigada, muito, Henrique!
Boa noite. :)
Que lindo Maria :) Eu ainda acredito que não há perigo quando sinto assim a minha mão segura. Boa noite :)
ResponderEliminarObrigada! É bom ter essa mão!
EliminarBeijos, GM. :)