AOS QUE VIEREM DEPOIS DE NÓS
Bertolt Brecht
(Tradução de Fernando Peixoto)
É verdade, eu vivo num tempo sombrio!
Uma palavra sem malícia é sinal de tolice.
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ri
Ainda não recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando
Falar sobre árvores é quase um crime
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que atravessa a rua tranquilo
Já está inacessível aos amigos
Que passam necessidades?
É verdade: eu ainda ganho bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso.
Nada do que faço
Me dá o direito de comer quando tenho fome.
Estou sendo poupado por acaso.
(Se a minha sorte me deixa, estou perdido.)
Me dizem: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que eu posso comer e beber
Se a comida que como, tiro de quem tem fome?
Se a água que bebo, faz falta a quem tem sede?
Mas mesmo assim, eu como e bebo.
Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Se manter afastado dos conflitos do mundo
E passar sem medo
O curto tempo que se tem para viver;
Seguir seu caminho sem violência;
Pagar o mal com o bem;
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim!
É verdade, eu vivo num tempo sombrio!
Eu vim para a cidade no tempo da desordem
Quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a Terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas.
Para dormir, eu me deitei entre os assassinos.
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a Natureza.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.
No meu tempo as ruas conduziam ao lodo,
E as palavras me denunciavam ao carrasco.
Eu podia muito pouco, mas o poder dos patrões
Era mais seguro sem mim, espero.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.
As forças eram limitadas.
O objectivo permanecia a uma longa distância.
Era nitidamente visível, mas para mim
Quase fora do alcance.
Assim se passou o tempo
Que me foi dado dado viver sobre a Terra.
Vocês, que vão emergir
Das ondas em que nos afogamos.
Pensem, quando falarem das nossas fraquezas,
Dos tempos sombrios de que tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através das lutas de classes,
Mudando mais de país do que de sapatos,
Desesperados quando só havia injustiça
E não havia revolta.
Nós sabemos:
O ódio contra a baixeza
Também endurece o rosto;
A cólera contra a injustiça
Também faz a voz ficar rouca.
Infelizmente nós,
Que queríamos preparar o terreno para a amizade,
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o Homem seja amigo do Homem,
Pensem em nós
Com simpatia.
Assim se esperava que aqueles que viessem pudessem escapar aos tempos sombrios. Contudo, os tempos são, ainda, por estes dias, de sombra.
A atualidade do texto nem precisa de ser mencionada. Os tempos sombrios, não só não nos abandonaram, como regressaram com uma força redobrada, infelizmente. Parece-me que tivemos direito apenas a uma pequena trégua, e que dias de escuridão se preparam para nos desassossegarem.
ResponderEliminarBoa noite, Maria Eu.
Um beijinho, Mia
Temos que nos armar de luz!
EliminarBeijos, Mia, e boa semana. :)
Só sabemos desses tempos
ResponderEliminarporque admitimos a existência de claridades
Hoje estive num espaço
de plenas amizades
onde o Homem é amigo do Homem
(hoje chegou o teu dia, Maria)
E que bem que estiveste! :)
Eliminar(assim o espero, Rogério)
O BB sabia que tínhamos entrado numa era de treva, é a esperança inquebrantável que o leva a escrever poemas para o futuro como este. Oxalá a sua esperança seja realidade, e as núvens que agora vemos abaterem -se em tempestades tão perto de nós possam dissipar-se.
ResponderEliminarBeijos Maria!
É nessa esperança que me abrigo.
EliminarBeijinhos, Luís. :)
Se não aprendermos como caminhar durante os tempos difíceis, e a enfrentar de forma tenaz as adversidades e os contratempos da vida, estaremos derrotados antes mesmo de começar.
ResponderEliminarBoa semana Maria! :)
Verdade, Legionário! Mas que dói, dói!
EliminarBeijinhos e uma boa semana para ti também. :)
Olá, Maria.
ResponderEliminar"Mas mesmo assim, eu como e bebo" - nem bem sei como, trouxe-me à lembrança os versos de um "hino" brasileiro - e não só, diria eu - de Geraldo Vandré:
"Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões"
https://www.youtube.com/watch?v=6oGlRrJLiiY
bom domingo,
bjn amg
Obrigada pela partilha, Carmem! Gostei muito!
EliminarBeijos. :)
Talvez os tempos não sejam nem mais nem menos sombrios.
ResponderEliminarSó com algum distanciamento temporal, é possível fazer uma análise mais objectiva e desapaixonada.
E concordo com o entendimento do Legionário.
Beijo, Maria.
Não sou pessimista mas tem-me doído o coração nestes dias...
EliminarBeijos, Isabel. :)
Até quando a maldição que ensombra o caminho? Onde há uma flor o homem espalha dor.
ResponderEliminarBoa semana, Maria. Ainda há esperança.
Olhamos para a História e tudo isto é cíclico. Parece que o Homem não consegue parar o ódio.
EliminarBeijos, Agostinho. :)