(Francesca Woodman, From Space, 1976, © Betty and George Woodman)
Havia tantos anos que habitava aquela casa que nem conseguia seguir os traços da memória até ao dia em que, pela primeira vez, pisara o soalho de carvalho. Curiosamente, recordava os sons e os cheiros de cada aposento, nesse passado longínquo. Sabia do ranger da tábua que dava passagem para a sala de jantar , bem junto à porta, do odor a cera acabada de espalhar por todo o lado, à excepção da cozinha, onde a mãe chegara cedo para cozer um bolo de canela e assar vitela com batatas novas. Ah, como era bom comer naquela cozinha grande, a mesa de madeira com bancos corridos a abrigar a fome da palavrosa família! Eram essas palavras que ouvia, agora, à mistura com as gargalhadas das mulheres perante as pantominas das crianças. Até conseguia repetir a cantilena do Pedro e da Mariana:
Bichinha gata
Que comeste tu?
Sopinhas de leite
Onde as guardaste?
Debaixo da arca
Com que as tapaste?
Com o rabo do gato
Sape, sape, sape!
Um arrepio percorreu-lhe o corpo agasalhado. Afinal, andara pela casa com o vestido vermelho sem mangas que a mãe lhe comprara aos quinze anos! Aconchegou melhor a manta polar nas pernas inchadas, acomodou-se na almofada que lhe amparava as costas ao sofá, fechou os olhos e adormeceu.
A casa habitava-a, agora, a ela.
A casa habitava-a, agora, a ela.
~~~
ResponderEliminarUm 'post' muito interessante, ME.
Muito
apreciei da criatividade do seu texto.
A lengalenga da «bichinha gata» conheço-a
desde muito pequenina...
Passavam-me os dedos pela cara e na altura do
'sape, sape' saía uma sessão de cócegas hilariantes.
~~ Memórias de uma vida...
~~~~~~ Beijinhos.~~~~~~
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Muito obrigada, Majo!
EliminarTambém terminava com cócegas, a minha lengalenga.
Beijinhos :)
Está tão belo Tutu!
ResponderEliminarFui transportada para a casa dos meus avós paternos. Teve sabor.
Pela segunda vez falas em bolo de canela, ainda vou ter que fazer um, só pela fome que fico. Adoro canela :)
Beijoquinha Tutu
Temos recordações semelhantes e o gosto igual pela canela!
EliminarObrigada, Snowy!
Beijocas :)
estava aqui num impasse... trouxe-me recordações, muitas.
ResponderEliminargosto, da fotografia, do texto, da música. sinceramente, gosto.
beijinho
:)
Gosto que gostes, Henrique!
EliminarObrigada!
Beijinhos :)
há memórias que me arrancas do mais fundo de mim, Maria.
ResponderEliminarmaravilhoso...
Brincamos? ;)
EliminarMuito obrigada, Laura!
Beijos :)
Que lindo, Maria.
ResponderEliminarA nossa pele encerra muitas "casas". Eu diria que são os lugares que nos acolhem e que nós escolhemos. A nossa casa mora onde nos sentimos bem.
Fica um beijo.
Obrigada, Sandra, muito!
EliminarSim, as casas que sentimos como nossas são indissociáveis de nós.
Beijos. :)
Saudade é o que define o que me fizeste sentir e recordar quando a casa pulsava vida.
ResponderEliminarLindo!
Beijinho Maria:))
Tão parecidas, as casas que vivem dentro de nós, pelos afectos que tinham dentro.
EliminarBeijos, Helena, e obrigada! :)
Perfeita simbiose, Maria, de tudo. Inclusive da foto que acompanha o texto.
ResponderEliminarBom fim de semana.
Beijinhos
Obrigada, Ava!
EliminarBeijos e boa semana. :)
AS casas deixam-nos marcas, cheiros memórias...
ResponderEliminarGostei muito bjs
Impregnam-nos.
EliminarMuito obrigada, papoila.
Beijos :)
Houve casas, algumas
ResponderEliminarpelas quase passei
falar sobre elas, não sei
As habitadas,
podia regressar a elas
todas
na mais profunda escuridão
e de memória, saberia
a porta de entrada, o corrimão
os quartos, corredores,
ombreiras, serventias, janelas
e o que se via por elas
Nós somos as casas que habitámos
Fecham-se os olhos e desenhamos as nossas casas em traço firme.
EliminarBeijinhos, Rogério. :)
Querida Maria Eu,
ResponderEliminarHá séculos que não me lembrava das sopas de leite que cheguei a comer ao pequeno almoço, quando passava férias com os avós. Acredita que nunca me lembrei de as dar a provar aos meus filhos? Estou tentado a iniciá-los este fim de semana. Cá em casa...
Um beijo de noite feliz,
Outro Ente.
Fico feliz por despertar em si as memórias doces da infância.
EliminarBeijos, caro Ente, e uma noite feliz para si, também. :)
Gosto imenso dos trabalhos desta fotógrafa.
ResponderEliminarE as tuas palavras são deliciosas!
Beijos, Maria.
Calhou ver a foto e vieram as memórias.
EliminarMuito obrigada, Isabel!
Beijos :)
É um texto muito bonito, Maria. Caloroso. :)
ResponderEliminarDeixo-te um beijo. :)
Como as minhas memórias.
EliminarObrigada, Castiel, e um beijo. :)
Descreveste lindamente essa sensação que todos trazemos connosco - que os lugares podem ser afetos que nos habitam.
ResponderEliminarUm beijinho e um sábado feliz :)
Os lugares estão tão vivos que perduram para além de nós.
EliminarObrigada, Miss Smile!
Beijos, na esperança de te ver voltar. :)
a minha avó dizia qualquer coisa como chape chape e nã sape sape, mas agora faz mais sentido :)
ResponderEliminarbonito o teu texto Tutu. beijo.
AS avós têm o direito de reinventar as lenga lengas!
EliminarObrigada, Stormyzinho!
Beijocas :)
perpetuamento.
ResponderEliminarmuito bonito, mas a minha avó nunca me apresentou as Sopinhas de leite com pena minha, pois só agora conheci tal lenga lenga. e tal manjar não me passou no palato
beijos de (bom) fim de semana
Nunca é tarde para provar sopinhas de leite, nem para brincar com esta lenga lenga com a tua filha! Ela vai gostar que a termines a fazer sape, sape, sape, numa sessão de cócegas!
EliminarBeijinhos, Urso Misha :)
Desafio aceite ;)
EliminarGrato pela ideia, talvez teste este fim-de-semana...
Beijos Maria
Ohhh tâo bonito... Quase nostálgico!
ResponderEliminarbeijo amigo
Vem a ternura na memória...
EliminarObrigada, Daniel.
Beijinhos :)
Todas as casas guardam memórias e são uma espécie de testemunhas de todas as vidas.
ResponderEliminarBjnhs
Irmanam-nos.
EliminarBeijos, mz :)
A casa é a morada do corpo, e o corpo, é a morada da alma; assim, a casa é a morada da alma...
ResponderEliminarBom Domingo, Maria!:)
O corpo é a nossa casa.
EliminarBeijos, Legionário. :)
Sons, cheiros, texturas, memórias. Embrulho-me suavemente neste texto. :)
ResponderEliminarMuitas em comum, não é Luísa?
EliminarBeijos. :)
Que bonito Maria. Faz-nos recuar no tempo e nas memórias. Bom final de domindo :)
ResponderEliminarViagens...
EliminarBeijos, GM, e boa semana. :)
Mesmo, Maria. Uma casa pode habitar-nos. Uma casa que, para além de paredes, de móveis, guarde memórias vivas. Há casas que, para além de nos habitarem, nos abraçam, é como se nas suas paredes tivessem nascido braços. Não, não é isto, as casas não têm braços, os braços são nossos, o que acontece é que, de tão habitadas por nós, de tanto nos habitarem, deixam de ser apenas casas passando a ser, também, uma extensão do nosso corpo.
ResponderEliminarBeijinhos, Maria, uma excelente semana.
De todas as casas que habitei, nem todas me habitaram. Algumas houve que nunca foram capazes de sentir o ritmo do meu coração, talvez porque não tinham a gente certa dentro.
EliminarBeijos, Cláudia, e uma noite feliz. :)
Impressões digitais que ficam para sempre na/à mão, no frio do puxador da porta, no ar quente que irradia a lareira, na travessa da cadeira que se arrasta. E quando se respira, o cheiro da roupa lavada, da canela e do guizado. O som que se ouve ainda das histórias e das janelas perras a abrir antes da Primavera.
ResponderEliminarMuito bem, Maria
Entendes-me.
EliminarObrigada!
Beijinhos :)