(Charles Burton Barber)
Clarinha tinha uma atracção especial por descobrir recantos na casa da quinta. Já contornara a vedação do curral da porca grande para meter a mão por entre as vigas e fazer festinhas aos leitões (espetava, o pêlo branquinho); já abrira a porta de acesso ao galinheiro e espantara galinhas, galos e pintainhos, dando azo a correrias da mãe e da vizinhança possível de arrebanhar, para a empreitada de meter as aves todas no sítio devido; já soltara os cães de caça e ia provocando uma desgraça, pois o Mancha Negra, lançado, correu para a estrada e por pouco não foi atropelado... Enfim, uma menina atrevida que levara algumas palmadas no rabo à conta de tanta vontade de "descobrir"!
Do alto dos seus cinco anos, cabeça coberta de fios de ouro, sempre atados em rabo de cavalo por um laçarote de cetim, e roupa protegida por bibes de riscas ou de quadrados feitos pela mãe na máquina Singer, sentia-se de vez em quando a investigadora/repórter dos mistérios que se desenrolavam por detrás de grades, portas, portões, janelas, e, até, de muros.
- A menina não fez nada! dizia, com ar comprometido, ao chegar a casa depois de uma qualquer "descoberta" com fuga de prova viva (também houve coelhos à solta, para além das aves).
Bem ia com a palmadas da mãe, suavizadas pela roupa. O pior foi aquele dia em que o pai se zangou a sério! A voz forte ecoava pelo quintal:
- Maria Clara! Maria Clara!
Ela ficou quietinha, encolhida por baixo da japoneira. Sabia bem que se o chamamento era feito pelos dois nomes e não por Clarinha, ou mesmo Clara, a coisa era séria!
A voz agigantava-se, aproximando-se, e o pai não tardou a descobri-la. Na mão, trazia a espingarda que usava para caçar. A mesma que ela tinha tirado do armário dos fundos, depois de ter espreitado onde ele guardava a chave, ao Domingo, em chegando da caça.
Nunca o vira tão desfigurado! Pegou-lhe por um braço, magoando-a, e arrastou-a para casa, atirando-a para o chão da sala.
- Vês esta arma? gritou-lhe, encostando-lha à cara lavada em lágrimas. Vê-a bem! Nunca mais vais tocar numa arma, ouviste? Esta nunca está carregada mas podia estar. Eu podia ter-me distraído. Podias morrer! Podias morrer, ouviste?
Dito isto, desatou num choro convulsivo e sentou-se no chão, ao lado dela, abraçando-a com tanta força que quase não lhe permitia respirar.
Nunca tinha visto o pai chorar!
Clarinha não voltou a abrir armários fechados à chave. Maria Clara só os abriu quando foi necessário.
Cheguei a ficar assustado
ResponderEliminarmas ninguém ainda morreu
com um abraço apertado
(é bom saber que é a Maria Clara quem tem as chaves)
Abraço apertado é sempre desejado. :)
Eliminar(Maria Clara gere o uso das chaves com parcimónia)
Beijinhos, Rogério. :)
fechaduras e prokofiev sempre foram atractivos... :)
ResponderEliminarE espreitar pelas fechaduras ao som de Prokofiev? ;)
EliminarBeijinhos, Manel das tempestades.
Lindo, o texto! E a imagem? Uma delícia... Gostei!
ResponderEliminarBeijinho.
Muito obrigada, Graça!
EliminarBeijinhos. :)
A curiosidade é o combustível da inteligência .
ResponderEliminar"A tricalho da garota põe tudo num badanal", comentavam as vizinhas para quem uma menina deveria ter calhestros, propósitos, ficar sossegadinha em casa.
Bela narrativa, Maria.
A Clarinha não tinha sossego.
EliminarObrigada, Agostinho!
Beijinhos. :)
ResponderEliminarChamaste?
Como é possível continuares-me a surpreender? Juntares a Clarinha com Prokofiev, num dos meus temas favoritos?
É mágico!
Beijinhos flautistas
(^^)
Um chamamento bem feito, então! :D
EliminarBeijos, amiga. :)
Um belo casamento
ResponderEliminarBj
Da Clara com a Clarinha? ;)
EliminarBeijinhos, MA. :)
E talvez existam armários que só podem ser abertos quando estivermos preparados para ver o que escondem. Talvez isso seja também crescer.
ResponderEliminarAdorei o texto!
Um beijinho, Maria :)
Um armário que está fechado à chave, foi-o por alguma razão. É preciso saber esperar... Crescer, sim!
EliminarMuito obrigada, Miss Smile!
Beijos. :)
Somente a curiosidade não envelhece connosco e fica sempre criança...
ResponderEliminarBoa semana, Maria!:))
Desde que doseada, é muito boa!
ResponderEliminarBeijinhos, Legionário, e uma semana excelente. :)
Até me arrepiei Maria. Quando eu era garota o meu pai também tinha uma arma de caça que mostrava sempre a mim e minha irmã explicando o propósito dela e a perigosidade. Felizmente nunca lhe tocámos mas o que existe para aí de acidentes com armas... é de arrepiar. a Curiosidade das crianças e o descuido dos adultos muitas vezes corre mal. Beijinho Maria
ResponderEliminarMuito mal, mesmo, como vemos nos noticiários...
EliminarBeijos, GM. :)
Um abraço no final e o choro de um pai aliviado de um desespero tamanho!
ResponderEliminarQue Clarinha tão traquina :)
Bjs
Muito traquina, mesmo.
EliminarBeijo, mz, e obrigada pela presença. :)
Os fios da eletricidade picam. Não sabia como é que o avô fazia para não sentir aquela tremedeira, só queria arranjar a tomada :)
ResponderEliminarSeu safado! :)
EliminarBeijinhos, Ness. :)