quarta-feira, outubro 28, 2015

Da ausência

(Asia Jedlińska)

A Partir da Ausência

Imaginar a forma 
doutro ser Na língua, 
proferir o seu desejo 
O toque inteiro 

Não existir 

Se o digo acendo os filamentos 
desta nocturna lâmpada 
A pedra toco do silêncio densa 
Os veios de um sangue escuro 

Um muro vivo preso a mil raízes 

Mas não o vinho límpido 
de um corpo 
A lucidez da terra 
E se respiro a boca não atinge 
a nudez una 
onde começo 

Era com o sol E era 
um corpo 

Onde agora a mão se perde 
E era o espaço 

Onde não é 

O que resta do corpo? 
Uma matéria negra e fria? 
Um hausto de desejo 
retém ainda o calor de uma sílaba? 

As palavras soçobram rente ao muro 
A terra sopra outros vocábulos nus 
Entre os ossos e as ervas, 
uma outra mão ténue 
refaz o rosto escuro 
doutro poema 


António Ramos Rosa, in "A Nuvem Sobre a Página"



Sobram as palavras na falta da presença.

24 comentários:

  1. A alquimia das palavras num post muito conseguido.
    Bjs

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  2. Um santo da minha devoção.
    Tem graça que ontem desenhei umas letras de imaginação que guardei na caixa dos sapatos...
    Bj

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    1. Também gosto muito
      Espero que as tires de lá para lermos! :)

      Beijinhos, Agostinho. :)

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  3. Maria, sobram palavras entaladas na garganta, quando falta um gesto que era para ter marcado presença, quando se espera por quem já não virá!

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    1. Que bonito, Legionário!

      Beijinhos e um bom fim-de-semana. :)

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  4. Bela imagem, Maria!
    Pois, há circunstâncias em que não sabemos se as palavras escasseiam ou sobram.
    Talvez só existamos a partir dos outros...
    Beijo

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  5. "Mas agora estou no intervalo em que
    toda a sombra é fria e todo o sangue é pobre.
    Escrevo para não viver sem espaço,
    para que o corpo não morra na sombra fria.

    Sou a pobreza ilimitada de uma página.
    Sou um campo abandonado. A margem
    sem respiração.

    Mas o corpo jamais cessa, o corpo sabe
    a ciência certa da navegação no espaço,
    o corpo abre-se ao dia, circula no próprio dia,
    o corpo pode vencer a fria sombra do dia.

    Todas as palavras se iluminam
    ao lume certo do corpo que se despe,
    todas as palavras ficam nuas
    na tua sombra ardente."

    António Ramos Rosa, A Construção do Corpo, 1969

    Ficam sempre as palavras e a música (muito bem escolhidas).

    Um beijinho, Maria :)

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    1. E António Ramos Rosa tem-nas para lá de belas!
      (obrigada)

      Beijos, Miss Smile. :)

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  6. Ramos Rosa não é o meu poeta preferido...

    Beijinhos

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    1. Eu adoro. Mas a poesia é assim mesmo, uns gostam, outros não.

      Beijos, São.

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  7. A tua Ausência

    Escrevo-te estas palavras
    Em busca de absolvição
    Não quero continuar a ser
    uma desilusão

    Só se sabe o que se perde
    Quando já se foi
    E só agora eu sei como doi
    A tua ausência

    Tenho fumado demais
    e bebido para te esquecer
    e continuo a acreditar que o impossível
    Pode acontecer

    Perdi a noção do tempo
    E sinto em mim a revolta
    Por não te ter
    Quero-te de volta

    E é toda esta distância
    que me faz duvidar de mim
    queria que fosse diferente
    não tinha de ser assim
    Morri ao ver o teu adeus
    Escrito no espelho
    Assinado pelos teus lábios
    Em batom vermelho
    Vou sorrindo para o mundo
    Porque tenho de continuar...
    ...Mas só me apetece parar!

    C.N.Gil/XXL Blues "A tua ausência" © 2014

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    1. Poeta, para além de escritor de romances? (o primeiro está ali ao lado, na estante) :)

      Beijinhos, C. N. Gil. :)

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    2. Bem, eu e o António Ramos Rosa eramos colegas de editora... LOL. Mas eu não sou um poeta, faço umas rimas para as minhas músicas...
      Tens o "Lilith"?!? Espero que tenhas gostado :)

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  8. ... é um fervilhar de rins ao entardecer.

    Beijo

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