Há muito tempo que não me cruzava com Maria Antónia. Hoje, enquanto corria na rua, guarda-chuva aberto em protecção da água que tanto se fizera desejar, vi-a. Refugiara-se num recanto abrigado onde se intersectavam as varandas dos prédios azuis, cabelo e roupa encharcados, olhar fixo num ponto imaginário. Inverti o passo de corrida para lhe dar um beijo. Que sim. Que estava bem. Que não era nada daquilo que diziam. E eu, sem saber do que diziam, fiquei a olhá-la, muda. Foi então que choveram os olhos de Maria Antónia e o corpo molhado tremeu, tremeu, em soluços convulsivos, sem que disséssemos uma só palavra, para ali, abraçadas, como se o mundo dela desabasse sobre os meus ombros.
Que não. Que não teria muito mais tempo para andar à chuva, nem para esperar que o seu João viesse, lá do outro lado do Atlântico. Talvez uma semana.
E não houve guarda-chuva que me salvasse desse dilúvio de desventura.