O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema não foi produzido por mim nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro e afável ao paladar como beijo de moça, água na pele, flor que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim.
Este açúcar veio da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia. Este açúcar veio de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome aos 27 anos plantaram e colheram a cana que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura produziram este açúcar branco e puro com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.
Ferreira Gullar
O açúcar branco e doce feito por mãos tisnadas e amargas que nunca o usam assim, refinado. Os verdadeiros donos do açúcar e dessas mãos, nunca viram, decerto o mar em Ipanema, nem os açucareiros nas mesas das esplanadas.
E assim poderemos dizer de quem cultiva o café, e o chá, e o cacau, e... Temos sempre um hipocausto algures. Imagino que hoje já haja máquinas para o corte da cana de açúcar. É um dos trabalhos mais duros e difíceis que existe no mundo agrícola devido aos cortes que as folhas da cana provocam na pele, ao pó áspero que a sua palha liberta, ao calor da época da colheita, ao esforço contínuo e prolongado. Os trabalhadores ganham à tonelada de cana cortada e não por jornada de trabalho. Há muitos casos de morte por exaustão devido à desidratação extrema como aqui em Portugal aconteceu recentemente noutro cenário a jovens instruendos de um curso de tropas especiais. Há doenças profissionais indirectas não consideradas, ou pelo menos que os médicos aceitem como doenças profissionais derivadas da actividade, como a doença renal, os cálculos renais, doença cardíaca etc. Ou seja quem trabalha na actividade anos mais tarde sofrerá de uma doença que seguro algum, caso existisse, poderia considerar. Há o dia do cortador de cana a 16 de Janeiro, mas também a 12 de Agosto varia conforme a região. Os portugueses foram os introdutores da cultura da cana de açúcar no Brasil e em quase todo o lado, com eles levaram escravos, escravizaram outros e substituíram os escravos quando assim a necessidade obrigou, como no Hawai. Desculpa a extensão do comentário. O Ferreira Gullar onde estiver desculpar-me-á também. Beijinhos!
Só te agradeço, Luís. E julgo que Gullar gostaria de ler este comentário. Quanto aos portugueses, tende-se a esquecer, demasiadas vezes, que a História vinha a esconder o esclavagismo que foi muito além do que se incluiu nos manuais escolares.
lindo, Maria!
ResponderEliminarDesde que descobri Ferreira Gullar que me encanto e comovo com os seus poemas, Laura.
EliminarBeijos :)
Uma dura e nada doce realidade. A vida não é justa e raramente é doce açúcar.
ResponderEliminarMuito bonito mesmo.
Beijo em TU
Dá uma admiração por quem escreve assim, não dá?
ResponderEliminarProcura outros poemas dele, são lindos!
Beijos, noname :)
Se a vida fosse fácil, eu a mastigaria com açúcar.
ResponderEliminarBom fim-de-semana, Maria:))
Mais fácil para uns...
EliminarBeijinhos, Legionário, e bom Domingo. :)
Olá Maria!
ResponderEliminarAté as coisas doces têm por vezes um trago de adversidade.
Belo poema.
Beijo e bom fim-de-semana.
Quando consumimos tendemos a esquecer os caminhos ínvios que aquele produto percorreu até nos chegar às mãos.
EliminarGullar é mestre nos alertas sociais.
Beijinhos e obrigada,Teresa :)
Gostei da escolha!
ResponderEliminarBjos
Sábado feliz.
Obrigada, Larissa!
EliminarBeijos :)
Belo poema....
ResponderEliminarEstive com o Ferreira Gullar num evento no Rio de Janeiro....quando morei lá!!!
Sorte a sua! :)
EliminarBeijinhos, PDR
E assim poderemos dizer de quem cultiva o café, e o chá, e o cacau, e... Temos sempre um hipocausto algures.
ResponderEliminarImagino que hoje já haja máquinas para o corte da cana de açúcar. É um dos trabalhos mais duros e difíceis que existe no mundo agrícola devido aos cortes que as folhas da cana provocam na pele, ao pó áspero que a sua palha liberta, ao calor da época da colheita, ao esforço contínuo e prolongado. Os trabalhadores ganham à tonelada de cana cortada e não por jornada de trabalho. Há muitos casos de morte por exaustão devido à desidratação extrema como aqui em Portugal aconteceu recentemente noutro cenário a jovens instruendos de um curso de tropas especiais. Há doenças profissionais indirectas não consideradas, ou pelo menos que os médicos aceitem como doenças profissionais derivadas da actividade, como a doença renal, os cálculos renais, doença cardíaca etc. Ou seja quem trabalha na actividade anos mais tarde sofrerá de uma doença que seguro algum, caso existisse, poderia considerar.
Há o dia do cortador de cana a 16 de Janeiro, mas também a 12 de Agosto varia conforme a região.
Os portugueses foram os introdutores da cultura da cana de açúcar no Brasil e em quase todo o lado, com eles levaram escravos, escravizaram outros e substituíram os escravos quando assim a necessidade obrigou, como no Hawai.
Desculpa a extensão do comentário. O Ferreira Gullar onde estiver desculpar-me-á também.
Beijinhos!
Só te agradeço, Luís. E julgo que Gullar gostaria de ler este comentário.
EliminarQuanto aos portugueses, tende-se a esquecer, demasiadas vezes, que a História vinha a esconder o esclavagismo que foi muito além do que se incluiu nos manuais escolares.
Beijinhos :)
O Açúcar a adoçar um belo poema. E assim falando do açúcar se constrói um poema encantador.
ResponderEliminar.
* Doce paisagem do teu sorriso, qual azul do Mar *
.
Votos de um fim de semana muito feliz.
Boa tarde
Eu diria que é inquietador.
EliminarObrigada, Gil.
Beijinhos :)
Roupas, comida e tantos produtos consumidos sem nunca pensarmos nas mãos que os produziram...
ResponderEliminarBeijos Maria :)
Todos nos alheamos um pouco. Nem é de espantar, mum mundo consumista como o nosso
ResponderEliminarBeijos, JI :)
Magnífico poema de Ferreira Gullar, numa homenagem aos que trabalharem no duro em engenhos do açúcar.
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.
Gullar tem uma extraordinária capacidade de tocar nas feridas do seu Brasil.
EliminarBeijos, Graça, e obrigada. :)
Gosto tanto quando de um tema tão banal se faz poesia. Muito bonito. Bj Maria
ResponderEliminarMuito Bom Maria !
ResponderEliminarFez-me lembrar o "Operário em Construção" !
Açúcar com moderação.
ResponderEliminarE NUNCA no café ou no chá.
Café e chá têm que ser naturais, sem adoçantes.
Bjs, boa semana
Muito boa a poesia dele. Não conhecia e gostei muito.
ResponderEliminarNo geral, o manejo na lavoura não é fácil. Eu sei porque papai era da roça, mas quanto a cana, hoje em dia é tudo feito com máquinas.
Beijinho.
Gullar é de uma outra época, embora haja sempre uma grande dureza nestes trabalhos.
EliminarSe gostou, experimente ler outros. São excelentes!
Beijinhos e obrigada pela visita. :)