sexta-feira, janeiro 26, 2018

Os donos do açúcar

(Teddi Parker)

O açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café 
nesta manhã de Ipanema 
não foi produzido por mim 
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro 
e afável ao paladar 
como beijo de moça, água 
na pele, flor 
que se dissolve na boca. Mas este açúcar 
não foi feito por mim.
Este açúcar veio 
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia. 
Este açúcar veio 
de uma usina de açúcar em Pernambuco 
ou no Estado do Rio 
e tampouco o fez o dono da usina.
Este açúcar era cana 
e veio dos canaviais extensos 
que não nascem por acaso 
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital 
nem escola, 
homens que não sabem ler e morrem de fome 
aos 27 anos 
plantaram e colheram a cana 
que viraria açúcar.
Em usinas escuras, 
homens de vida amarga 
e dura 
produziram este açúcar 
branco e puro 
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

Ferreira Gullar




O açúcar branco e doce feito por mãos tisnadas e amargas que nunca o usam assim, refinado. Os verdadeiros donos do açúcar e dessas mãos, nunca viram, decerto o mar em Ipanema, nem os açucareiros nas mesas das esplanadas. 


25 comentários:

  1. Respostas
    1. Desde que descobri Ferreira Gullar que me encanto e comovo com os seus poemas, Laura.

      Beijos :)

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  2. Uma dura e nada doce realidade. A vida não é justa e raramente é doce açúcar.
    Muito bonito mesmo.

    Beijo em TU

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  3. Dá uma admiração por quem escreve assim, não dá?
    Procura outros poemas dele, são lindos!

    Beijos, noname :)

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  4. Se a vida fosse fácil, eu a mastigaria com açúcar.

    Bom fim-de-semana, Maria:))

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    1. Mais fácil para uns...

      Beijinhos, Legionário, e bom Domingo. :)

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  5. Olá Maria!
    Até as coisas doces têm por vezes um trago de adversidade.
    Belo poema.
    Beijo e bom fim-de-semana.

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    1. Quando consumimos tendemos a esquecer os caminhos ínvios que aquele produto percorreu até nos chegar às mãos.
      Gullar é mestre nos alertas sociais.

      Beijinhos e obrigada,Teresa :)

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  6. Belo poema....
    Estive com o Ferreira Gullar num evento no Rio de Janeiro....quando morei lá!!!

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  7. E assim poderemos dizer de quem cultiva o café, e o chá, e o cacau, e... Temos sempre um hipocausto algures.
    Imagino que hoje já haja máquinas para o corte da cana de açúcar. É um dos trabalhos mais duros e difíceis que existe no mundo agrícola devido aos cortes que as folhas da cana provocam na pele, ao pó áspero que a sua palha liberta, ao calor da época da colheita, ao esforço contínuo e prolongado. Os trabalhadores ganham à tonelada de cana cortada e não por jornada de trabalho. Há muitos casos de morte por exaustão devido à desidratação extrema como aqui em Portugal aconteceu recentemente noutro cenário a jovens instruendos de um curso de tropas especiais. Há doenças profissionais indirectas não consideradas, ou pelo menos que os médicos aceitem como doenças profissionais derivadas da actividade, como a doença renal, os cálculos renais, doença cardíaca etc. Ou seja quem trabalha na actividade anos mais tarde sofrerá de uma doença que seguro algum, caso existisse, poderia considerar.
    Há o dia do cortador de cana a 16 de Janeiro, mas também a 12 de Agosto varia conforme a região.
    Os portugueses foram os introdutores da cultura da cana de açúcar no Brasil e em quase todo o lado, com eles levaram escravos, escravizaram outros e substituíram os escravos quando assim a necessidade obrigou, como no Hawai.
    Desculpa a extensão do comentário. O Ferreira Gullar onde estiver desculpar-me-á também.
    Beijinhos!

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    1. Só te agradeço, Luís. E julgo que Gullar gostaria de ler este comentário.
      Quanto aos portugueses, tende-se a esquecer, demasiadas vezes, que a História vinha a esconder o esclavagismo que foi muito além do que se incluiu nos manuais escolares.

      Beijinhos :)

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  8. O Açúcar a adoçar um belo poema. E assim falando do açúcar se constrói um poema encantador.
    .
    * Doce paisagem do teu sorriso, qual azul do Mar *
    .
    Votos de um fim de semana muito feliz.
    Boa tarde

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  9. Roupas, comida e tantos produtos consumidos sem nunca pensarmos nas mãos que os produziram...
    Beijos Maria :)

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  10. Todos nos alheamos um pouco. Nem é de espantar, mum mundo consumista como o nosso

    Beijos, JI :)

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  11. Magnífico poema de Ferreira Gullar, numa homenagem aos que trabalharem no duro em engenhos do açúcar.
    Uma boa semana.
    Beijos.

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    1. Gullar tem uma extraordinária capacidade de tocar nas feridas do seu Brasil.

      Beijos, Graça, e obrigada. :)

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  12. Gosto tanto quando de um tema tão banal se faz poesia. Muito bonito. Bj Maria

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  13. Muito Bom Maria !
    Fez-me lembrar o "Operário em Construção" !

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  14. Açúcar com moderação.
    E NUNCA no café ou no chá.
    Café e chá têm que ser naturais, sem adoçantes.
    Bjs, boa semana

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  15. Muito boa a poesia dele. Não conhecia e gostei muito.

    No geral, o manejo na lavoura não é fácil. Eu sei porque papai era da roça, mas quanto a cana, hoje em dia é tudo feito com máquinas.

    Beijinho.

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    1. Gullar é de uma outra época, embora haja sempre uma grande dureza nestes trabalhos.
      Se gostou, experimente ler outros. São excelentes!

      Beijinhos e obrigada pela visita. :)

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