quinta-feira, dezembro 04, 2014

Facas


(Caroline Murtagh)

depois de ler A Faca Não Corta (de Herberto Helder)

Ah, essa faca
não corta o fogo
mas corta
o coração da pedra
florescendo
em palavras-pétalas
de ouro

(eu disse ouro?
mas quero dizer
brasa
carvão em brasa
ardendo
na fornalha)

e corta a veia
no fio
do horizonte

deixando ver
um sangue
delicado

voz abafada

grito nascendo

dessa faca
no fogo
desse corpo

(eu disse corpo?
mas quero dizer
treva
Ungrund *
buraco negro
da alma
ferida
mortalmente

Yvette Centeno


* conceito do filósofo alemão Jacob Bohme, por vezes atribuido a Eckhart, que significa (simplisticamente) "abismo interior".





Há facas 
invisíveis
gumes afiados
que cortam 
mais fundo

Há facas
mais fundas
que as vísceras
mais fundas
que o osso

Há facas 
que laceram 
a alma

Maria Eu

17 comentários:


  1. Pois há...
    Por isso eu NÃO GOSTO de facas!


    Beijossssssssssss mas às colheradas!
    (^^)

    ResponderEliminar
    Respostas

    1. (ah... esqueci-me de te contar que a voz de Jessye Norman me deixou arrepiada!)

      Eliminar
    2. Estas são simbólicas. Piores ainda, portanto! :)

      (é divina)

      Beijinhos Marianos, sem facas! :)

      Eliminar
  2. Há vozes que cortam mais fundo que as facas
    Há vozes que cortam
    Há vozes
    Para lancetar o mal, usemos facas afiadas
    Ou vozes

    ResponderEliminar
  3. Profundamente
    abismal, o poema.
    As facas rasgando
    a sensibilidade
    vertida a gotas
    no corpo do mar:
    amar.

    E não só. A fotografia e a música criteriosamente escolhidas.
    Parabéns.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Yvette Centeno inspirada por Herberto Heder só podia ser lindo, o poema! :)

      Obrigada, Agostinho, muito! :)

      Beijinhos Marianos! :)

      Eliminar
  4. Há facas que deixam marcas impossíveis de reparar. :)
    Beijinhos Maria :)

    ResponderEliminar
  5. Facas
    Quatro letras nos matam quatro facas
    que no corpo me gravam o teu nome.
    Quatro facas amor com que me matas
    sem que eu mate esta sede e esta fome.

    Este amor é de guerra. (De arma branca).
    Amando ataco amando contra-atacas
    este amor é de sangue que não estanca.
    Quatro letras nos matam quatro facas.

    Armado estou de amor. E desarmado.
    Morro assaltando morro se me assaltas.
    E em cada assalto sou assassinado.

    Quatro letras amor com que me matas.
    E as facas ferem mais quando me faltas.
    Quatro letras nos matam quatro facas.

    Manuel Alegre, in “Obra Poética”


    Facas em Sangue
    Vivia na temperatura tépida dos lençóis
    Aquele que dava pelo estranho nome
    De Amor. Às vezes soltava-se
    E percorria pela mão
    Dos adolescentes ruas desertas, sombras
    Escuras e conspiradoras - soltou-se
    O Amor - alguém gritava.
    E vinha o vermelho e invadia o vermelho
    E assanhavam-se os gatos conscientes
    Da invasão da sua noite
    Solitária. Depois apagava-se
    A última luz da última janela e desaparecia
    O Amor na tépidez dos lençóis.
    Ficava a lua, ficava
    O luar azul a reflectir perigosamente
    Nas lâminas das facas ensaguentadas
    Dos adolescentes...

    Mão Morta



    Belo o seu texto Maria, cada vez há mais facas em tristes oceanos de sangue derramado!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Adoro Manuel Alegre e também gosto muito dos Mão Morta! Fizeste um leno, Legionário, obrigada!

      Beijinhos Marianos e bom fim de semana! :)

      Eliminar
  6. Eu venho aqui e é isto. Facadas na minha ignorância.
    Eu pelo menos, Maria, escrevo e tu percebes..
    Isto assim fica muito desiquilibrado.
    ;)

    ResponderEliminar
  7. Facas só na cozinha.
    És terrível, Maria :-)
    Beijinhos observadores.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Então e no talho, hein? ;)

      Beijinhos Marianos, Observador! :)

      Eliminar