quinta-feira, dezembro 18, 2014

Do medo

(Roma Roman & Bartłomiej Zaranek)

BALADA DO MEDO

Eram quatro cavalos de silêncio negro.
Quatro esporas ferindo as éguas do canto.
Quatro asas de fumo sobre o pensamento.
Quatro sombras de medo à volta da casa.

Eram quatro nomes. E quatro navalhas.
Eram quatro paredes. E quatro guardas.
Eram quatro assassinos. E quatro espingardas.
Eram quatro sorrisos. E quatro canalhas.

Eram quatro. Eram quatro. E o meu peito batia.
Quatro lanças no sangue. Quatro gritos na voz.
Quatro lenços de vento. Quatro rosas tardias.
Eram quatro forcas. Eram quatro nós.

Eram quatro letras com rasto de lume.
Quatro olhos acesos na boca da noite.
Quatro harpas cantando a hora de um crime.
Eram quatro farpas. Eram quatro açoites.

Quatro balas. Quatro. Eram quatro, sim.
Eram quatro servos. E quatro chicotes.
Eram quatro cabeças. E quatro garrotes.
Eram sempre quatro os gritos que ouvi.

Quatro rosas negras. Quatro armas brancas.
Quatro luas velhas. Quatro aves de sono.
Quatro feridas sujas. Quatro hienas mortas.
Eram quatro lobos. Quatro cães sem dono.

Eram quatro. Eram quatro. Agora me lembro
das vozes gritando ao longo do tejo.
Eram quatro gaivotas no céu de Novembro.
Quatro mãos em sangue que agora não vejo.

Eram quatro copos. Eram quatro taças.
Eram quatro algemas. Eram quatro espadas.
Eram quatro pombas quase esfaceladas.
Eram quatro risos. E quatro desgraças.

Eram quatro, sim. Eram sempre quatro
as feridas abertas na palma da mão.
Eram quatro janelas fechadas no quarto.
Eram quatro loucos com olhos de cão.

Eram quatro tempos num tempo de medo.
Eram quatro, eram, as larvas do tédio.
Eram quatro mortes todas em segredo.
Eram quatro vidas todas sem remédio.

Foram sempre quatro as lutas que eu tive
com quatro cavalos qual deles o mais forte.
Quatro razões certas por quem um homem vive
sem temer os quatro cavalos da morte.


Joaquim Pessoa, in 125 poemas - Antologia poética





Não há faca que se não crave
luta que se não trave
palavra que se não diga
medo que se não vença.

16 comentários:

  1. Joaquim Pessoa é meu irmão
    e pouco falta para que a Maria
    faça parte desta minha família

    risque o lido
    já é

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito, mesmo muito obrigada, Rogério, pela distinção que me concedes!

      Beijinhos fraternos! :)

      Eliminar
  2. "Eu aprendi que a coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas aquele que conquista por cima do medo." Nelson Mandela

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Só tem coragem quem conhece o medo.

      Beijinhos, Legionário! :)

      Eliminar
  3. O Joaquim Pessoa é meu amigo no faceboock e gosto imenso de conversar com ele,ainda que de uma forma virtual.É um Homem*

    ResponderEliminar
  4. Excelente Joaquim Pessoa !
    Boas Festas Maria

    ResponderEliminar
  5. Quatro cavaleiros do Apocalipse Now - quando?
    M-E-D-O: o que encerra em número de quatro?
    Joaquim Pessoa um grande poeta.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sempre quatro, mas sabemos que, às vezes, são mais...

      Beijinhos, Agostinho, e bom fim de semana! :)

      Eliminar

  6. ... mas há um medo que só se vence... ao último suspiro!

    (este requiem é arrepiante... e a foto uma obra de arte)

    Beijinhos régios
    (^^)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concordo, em género e modo! :)

      Beijinhos, querida amiga! :)

      Eliminar
  7. Belo poema num crescendo dramático que a repetição em exaustão
    da palavra quatro lhe empresta.
    Até...por serem muito mais que quatro as batalhas da existência.
    Beijinhos e um Feliz Natal.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gosto muito da força deste poema.

      Beijinhos natalícios, Maria Silva, e Boas Festas! :)

      Eliminar