sábado, dezembro 28, 2013

Viagem

Perguntei ao servo Leo por que motivo possível os artistas pareciam, por vezes, só seres meio-humanos enquanto as suas imagens tinham um aspecto tão incontestavelmente vivo. Leo olhou para mim, admirado com a minha pergunta. Depois largou o cão de água que levava ao colo e disse: "Com as mães também é assim. Depois de terem dado à luz os filho, dando-lhes o seu leite e a sua beleza e força, tornam-se então pouco vistosas e já ninguém pergunta por elas."
"Isso é muito triste", disse eu, sem propriamente pensar muito nisso.
"Eu penso que não é mais triste do que todas as outras coisas", disse Leo, "talvez seja triste, e também é belo. A lei assim o quer."
"A lei?", perguntei cheio de curiosidade. "Que lei é essa, Leo?"
"É a lei de servir. Aquele que quiser viver durente muito tempo tem de servir. Todavia, aquele que quiser dominar poderosamente, não vive muito tempo."
"Porque é que todos anseiam, então, por poder e domínio?"
"Porque não o sabem. Há poucos que nasceram para dominar, estes permanecem alegres e saudáveis. Os outros, porém, os que só se fizeram Senhores através da sua ambição desmedida, acbam todos no nada."
"Em que nada, Leo?"
"Por exemplo, em sanatórios."
Percebi pouco dessa conversa, mas mesmo assim, as palavras ficaram na minha memória, e no coração fiquei com uma sensação de que este Leo sabia muita coisa, que sabia provavelmente mais do que nós, que éramos aparentemente seus Senhores." 

Herman Hesse, in "Viagem ao País de Amanhã"

             (© Leszek Paradowski)

Procuramos respostas às nossas dúvidas em viagens por dentro de nós, da nossa vida, dos que cruzam os nossos caminhos. Viajamos em busca do auto-conhecimento, da Luz.

6 comentários:


  1. Como concordo contigo... e com o que o "Leo" disse também.
    Talvez apenas a palavra "servir" não seja a mais adequada...
    Eu acho que é mais "dar-mo-nos" aos outros. Eu sou mãe sei do que ele fala... e a maternidade mudou-me profundamente. Fez-me aprender que só a "dar-me" sou feliz.


    Beijinhos generosos
    (^^)

    (vou tentar ouvir a música que escolheste para nós...)

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    1. Pudessemos encontrar a Luz, a pureza do ser inicial...

      Beijinhos Marianos, Afrodite! :)

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  2. Excelente ter-nos oferecido este sábio excerto de Hesse.

    Bom fim de semana

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    1. Gostei do livro mas este excerto tocou-me particularmente.

      Beijinhos Marianos, São e bom fim de semana para ti tabém! :)

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  3. Hesse conhecia bem -- muito bem -- a filosofia de Siddharta Gautama, o caminho para a luz. Sabia que passa pelo autoconhecimento. Pelo abandono. E que nesse caminho, ser o Senhor de nada significa. Leo diz: "Porque não o sabem". Não sei se mesmo que o soubessem, agiriam de forma diferente. Provavelmente não. Mais do que saber, é preciso perceber. E o poder pode cegar tanto que tapa o entendimento. There's the rub, como diria Shakespeare.

    Boa tarde, Maria. :)

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    1. Nunca almejei poder. Busco, isso sim, o entendimento das coisas simples que levam à felicidade. Duvido que o consiga mas nem por isso penso desistir.

      Beijinhos Marianos, Xil, e bom Domingo! :)

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