segunda-feira, abril 24, 2023

Aurélia

 

"Aurélia distinguia-se pela sobriedade, que  era nela a consequência de temperamento e educação. Não quer isto dizer que fosse dessa espécie de moças papilionáceas que se alimentam do pólen das flores, e para quem o comer é um ato desgracioso e prosaico. Bem ao contrário, ela sabia que a nutrição dá a seiva da beleza, sem a qual as cores desmaiam nas faces e os sorrisos nos lábios, como as efémeras e pálidas florações de uma roseira ética.

Assim não tinha vergonha de comer; e sem vaidade acreditava que o esmalte de seus dentes não era menos gracioso quando eles se triscavam como a crepitação de um colar de pérolas; nem o matiz de seus lábios menos saboroso quando chupavam uma fruta, ou se entreabriam para receber o alimento."

Senhora, José de Alencar


Adorava ver Aurélia comer! Costumava sentar-se numa mesa desde onde a pudesse observar, sempre tão composta, a inquietar-se perante  as opções do menu; imaginando cada sabor, cada aroma... Era toda brilho no olhar. E quando pousavam na mesa o prato escolhido, então! Uma festa!

Aurélia era, nesses momentos de gula, a mais sensual das mulheres, toda ela boca e mãos, deixando a quem a observasse a sugar o tutano de uma costelinha de borrego ou a trincar um bago de uvas, um calafrio na espinha, um desejo instantâneo de a possuir com o mesmo apetite que mostrava, recorrendo ao mesmo método para se deleitar.

Maria Eu


(Sueño con ella - Buika)

6 comentários:

  1. Na celebração da vida os prazeres confundem-se nos advérbios, sem distinção, se cama se mesa.
    Apesar das adversativas nas narrativas, sem sombra de culpa, as copulativas fazem caminho para a harmonia.
    Bonito trabalho,ME, viva!
    Viva a Liberdade!

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  2. Respostas
    1. Acho que é mais fruição da comida, sem falsos pudores.

      Beijinho, Pedro.

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