Foi pelas quinze horas, a canícula abafava até os miados dos gatos, que a notícia da morte do Joãozinho Villar chegou. Veio escrita a tinta preta, numa letra trémula, mas elegante, gravada num cartão. Mariana, a empregada (criada, como ainda lhe chamam os patrões), calcorreara o caminho íngreme que distava da casa grande dos Cunha e Villar, ataviada no uniforme preto de cetim, aventalinho branco pespontado a renda e toucado igualmente alvo no cocuruto da cabeça ornamentada com uma trança enrolada de cabelos negros. "É para entregar ao Sr. Engenheiro!", dissera, já pronta a seguir caminho com uma considerável quantidade de cartões na mão.
O Engenheiro Castro leu o cartão com um franzir de testa, ainda enrolado no seu roupão azul escuro com um belo dragão bordado a dourado, comprado nos tempos áureos das viagens ao Oriente. Ah! Bons tempos, aqueles em que os pais desembolsavam quantias avultadas para educar o seu menino para uma visão eclética e mundana!
Vestiu o fato preto, camisa branca, gravata igualmente preta. Olhou-se ao espelho com ar satisfeito. O cabelo ainda forte e ondulado penteado para trás, o bigode levemente retorcido nas pontas que o fazia parecer-se extraordinariamente com o bisavô Cunha e Castro. Suspirou, e saiu para a torreira do sol, encaminhando-se para o velório.
Cruzado o portão da casa dos Villares, não lhe foi difícil perceber onde a família velava o falecido. A porta verde da sala de visitas do rés-do-chão, aberta de par em par, deixava que se ouvisse o ruído abafado do terço, rezado em tom monótono por vozes femininas.
Franqueou a entrada. Lá estava o Joãozinho, enfiado num casaco azul-marinho de trespasse, camisa azul clara, gravata azul com pequenos brasões amarelos e calças cinzentas. Tal e qual os uniformes da banda de música! A barriga proeminente quase rebentava os botões dourados do casaco. Mas... agora reparava, o bigode era igualzinho ao seu e o cabelo... Meu Deus, o cabelo! Forte, ondulado, penteado para trás! Foi cumprimentar as senhoras da casa. "Tia, que desgraça! Foi tão inesperado! Prima, lamentável!" E, de sopetão, atiram-lhe: "Mas que parecido estás com ele! Até comentámos quando entraste! Credo! Não o soubéssemos cadáver, entrava agora pela porta da frente!"
Ficou uns minutos à conversa, contrariado, nervoso. Pensava entretanto: Em chegando a casa rapo o bigode e penteio o cabelo para o lado! Parecido com o morto! Só essa me faltava! Semelhante ao parolo com vestimenta de músico da banda da terra!
Where do you find the art of unknown artists, and incredible music like Lisa Gerrard?
ResponderEliminarYou are my source, your are my fountain.
I love it all.
😘 xx
Sometimes, I take a few of my time to search the net for things I like. :)
EliminarThank you, Rick!
Kisses :)
Texto fantástico!
ResponderEliminarGrata, Pedro!
EliminarBeijinhos :)
Depois de um tempo ausente,eis que volto a 'Vez da Maria '_ que bonito título!
ResponderEliminarMaria é um nome limpo claro sublime Amo muito.
O texto,maravilhoso! a descrição do Engenheiro faz-me ve-lo adentrando a sala do velório crente que estava abafando e as 'parecenças'lhe pregam uma peça rs Muito bom Maria
Deixo um abraço e um carinho
Olá Maria!
ResponderEliminarExcelente texto.
Obrigada por partilhares.
Bjs.
Um texto com uma narrativa excelente, que nos pós ao lado das personagens.
ResponderEliminarUm beijo.
Daqui pergunto, não haverá parentesco entre o engenheiro e o músico defunto?
ResponderEliminarQuem sabe se a Maria, lá mais para a frente, não nos irá presentear com um epísódio que aclare dúvidas legítimas. Parecenças e coincidências...
Belo texto. Como sempre.
like like like :)
ResponderEliminarGostei imenso de todos os detalhes, pois é Maria, por vezes as parecenças não nos calham nada bem:))
ResponderEliminarnão és normal
ResponderEliminara escrever coisas com mais que duas linhas!
Não pude rir-me. É um conto cômico de não rir, mas de admirar. Percebi-me literalmente boquiaberto e permaneço ainda em estado de fruição diante de uma obra que, fosse música poderia confundir-se com uma valsa de Chopin, sendo escrito remete-me aos mais poéticos momentos de Eça de Queiroz. Parabéns.
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