quinta-feira, março 16, 2017

Despedida

(Edvard Munch)

- O meu pai é bonito, não é?
Clara acenou que sim num movimento pouco convincente, dada a circunstância. O homem, num fato escuro, camisa branca e gravata de riscas azuis, com uma flor na botoeira, jazia, hirto, num caixão pejado de flores. 
Percebeu melhor a perda dela no dia seguinte, vendo-a desorientada na casa grande, abrindo e fechando portas e gavetas, olhando as fotografias emolduradas espalhadas pelos móveis. 
- Não sei! Não sei arrumar as coisas deles!
As da mãe continuavam ali, depois de  cinco anos. O frasco de perfume favorito quase vazio, o bâton cor de rosa, as malas alinhadas por tamanho, as roupas... Tinham acompanhado as do homem bonito que a amara, quem sabe tocando-se pela calada da noite, numa mistura de fragrâncias rescendendo a flores e a cedro.
- Amanhã! Amanhã venho ver das arrumações! Como é que os separo aos dois? Como é que me separo dos dois?
Clara abraçou-a longamente, sem palavras. Depois, fechando a porta à chave, saíram para o sol, de braço dado.


35 comentários:

  1. Não é fácil arrumar as vidas que partiram.

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  2. Biber's sonata is a beautiful, tragic accompaniment to this dreadful Munch painting.
    Wonderfully matched, my dear.
    😘

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  3. O Sol presente na última frase faz todo o sentido. Por vezes, é necessário abrir as gavetas ao Sol... precisam de respirar... espreguiçar...

    Beijo!

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    1. O Sol tem poderes curativos, literal e figurativamente, Eros.

      Beijinhos :)

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  4. Todas as decepções são secundárias. O único mal irreparável é o desaparecimento físico de alguém a quem amamos.

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    1. Sem dúvida, Legionário! É duro perder alguém que amamos!

      Beijinhos :)

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  5. "Não saberei nunca
    dizer adeus

    Afinal,
    só os mortos sabem morrer"
    (...)

    Mia Couto/Poema de despedida

    Um beijinho, querida Maria

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    1. Os vivos sofrem com as partidas dos que amam. Muito.

      Beijos, querida Miss Smile :)

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  6. É sempre duro. E nunca sabemos como dizer adeus...

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  7. Nenhuma despedida é igual à outra
    mas as ausências, essas sim
    sentem-se quase iguais

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  8. Nem sempre perdemos as pessoas para a morte... Temos sempre que sacudir a poeira do que elas deixaram pra trás. Amei.
    lua-de-carmim.blogspot.com

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    1. Ficam as coisas boas para recordar.

      Obrigada pelas palavras, Lua de Carmim :)

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  9. Há muito quem recuse aceitar a partida de um ente querido.
    Bfds

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    1. Dar um tempo, Pedro. Às vezes é preciso...

      Beijinhos :)

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  10. É tão difícil ver partir os que amamos
    Kis :=}
    BFSEMANA

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  11. Gosto de Munch, mas o tema morte é algo que não gosto, embora seja inevitável !
    A música de câmara vou ouvindo um pouco de cada vez !

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    1. Por mais que lhe fujamos, ela está lá. Eu também fico com um nó na garganta, mas tento, devagar, aceitá-la.

      Beijinhos, Ricardo, e obrigada :)

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  12. Como este texto me tocou Maria :) Beijinho

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  13. Dói muito dizer adeus a quem amamos.
    Gostei muito de ler.

    Beijinho.

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  14. Já despedi-me de muitas pessoas queridas, entre eles o meu pai, triste, bjs amiga

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    1. Perder quem se ama dói mais do que muito.

      Beijos, Zulmira :)

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  15. É uma grande mágoa quando a extrema orfandade nos atinge. Um texto muito comovente.
    Uma boa semana.
    Beijos.

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    1. Privados da infância, de uma parte do nosso crescimento.

      Beijos, Graça, e muito obrigada :)

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  16. Quando comecei senti,
    ao ler pressenti.
    Momentos. Horas há,
    na desarmonia dos gestos,
    em que a gente se confronta,
    em que o sentido das coisas
    se intranquiliza,
    em que os sentimentos
    se desemparelham
    no vazio deserto
    que fica em nós.

    Deixo um bj, Maria.

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    1. Vazios cheios de memórias.

      Beijos, Agostinho, e obrigada :)

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