"Um homem e o seu duplo, ou o seu sósia. O protagonista é ora um ora outro. Se A tem um sósia B, B tem um sósia A, mas nesse caso ele próprio é A.
É a dissociação esquizóide que divide em duas uma pessoa, reunindo em A umas características e em B outras, etc.
A é um burguês rico, culto, um engenheiro que se ocupa de pesquisas ptrolíferas; faz parte do poder, está integrado (mas culto, com aberturas à esquerda, etc.; tudo muito implícito).
B o homem das características "más" está ao serviço de A o homem das características "boas"; é o seu criado, ou seja, encarregado dos serviços baixos. Entre os dois dissociados há um acordo perfeito. Um verdadeiro equilíbrio."
(Pier Paolo Pasolini, extracto do esquema para o livro
Petróleo)
Mas A é B e B é A não podendo, por isso, manter a dissociação sem que se intrometam nos desígnios que, afinal, são comuns. Uma viagem ao mais fundo do ser humano, numa Itália onde o Fascismo mantinha fortes marcas.
Impossível não recordar o livro de Stevenson, bem menos ousado mas reflectindo este dilema eterno da luta entre o Bem e o Mal de que somos feitos.
Pergunto: o que é, afinal de contas o Bem e o Mal? O meu Bem será o Bem de todos os outros?
"Se cada um pudesse habitar numa entidade diferente, a vida libertar-se-ia de tudo o que é intolerável. O mau poderia seguir o seu destino, livre das aspirações e remorsos do seu irmão gémeo, a sua contraparte boa. E esta caminharia resolutamente, cheia de segurança, no caminho da virtude, fazendo o bem em que tanto se compraz, sem se expor à desonra e à penitência engendradas pelo perverso. Constitui uma maldição do género humano que esses dois elementos estejam tão estreitamente ligados; que no âmago torturado da consciência, continuem a digladiar-se."
(Robert Louis Stevenson, in O Médico e o Monstro)