Havia um castanheiro no quintal da Sra. Rosalina. Este era um facto que Clarinha sabia, muito mais agora, que o Outono revelava os ouriços prenhes de castanhas gordas e reluzentes, a abri-los antes do tempo, em parto forçado. Ela bem trepava ao muro que dividia o seu quintal do da vizinha e via um desperdício de frutos, ali amontoados por entre a erva densa.
- Oh, mãe, a Sra. Rosalina não apanha as castanhas?
- E que tens tu com isso, menina? São dela, faz o que lhe aprouver!
Mas parecia que não lhe aprouvia nada pois as ditas apodreciam no chão e as que restavam em equilibrismo ouriçado iriam acabar de igual modo.
Clarinha tomou como suas as dores dessas castanhas em perigo, trepou, uma vez mais, ao muro, alçou uma perna para o outro lado e deixou-se escorregar. Havia uns ramos de videira secos que prontamente foram remexidos até que um, mais comprido, lhe serviu de extensão às mãos para varejar a árvore. Era um regalo, a chuva de castanhas! Apanhou-as para o bibe de quadrados azuis e brancos, debruado a espiguilha, que a mãe tinha costurado. Porém, logo percebeu que não poderia sair como entrara. Olhou, aflita, para o muro que, do lado em que se encontrava, era liso que só visto. Nem uma mísera reentrância para pôr um pé, ou uma pedra saliente para se agarrar. O coração batia cada vez com mais força, os olhos marejados de lágrimas. Sabia que só passando frente à casa e transpondo o portão que dava para o caminho conseguiria sair. Contou até três e desatou a correr, as mãos agarrando o bibe-fruteira. Enquanto abria, nervosamente, o portão, e se esgueirava a custo para correr em direcção a casa, ouviu a voz da Sra. Rosalina dirigindo-se-lhe em tom alto e divertido:
- Ai tu andaste-me a limpar o castanheiro? Podias ter dito que te abria o portão!
Então...
ResponderEliminarSe for lá
será
Que a Rosalina me abre o portão?
Agora é a filha. A Rosalina já só abre portões na eternidade.
EliminarBeijinhos, Rogério.:)
Ora ainda bem que a Srª Rosalina até achou graça...
ResponderEliminarBom fim de semana :)
Quem sabe se divertia a ver a miúda nas suas incursões ao muro e ao quintal! ;)
EliminarBeijinhos, São. :)
Mais uma história deliciosa a fazer-me lembrar os tempos de ganapo, quando alinhava em aventuras de ir aos morangos da d. Silvina e outra fruta sem entrar pelo portão da frente. Coisas inocentes que davam pica na infância e adolescência.
ResponderEliminarA Maria expressões que são mimos raros.
BFS
Eram tempos de uma alegria ingénua, Agostinho.
EliminarMuito obrigada!
Beijinhos. :)
"Saboreio este dia,
ResponderEliminarFruto roubado no pomar do tempo.
Sabe-me a novidade,
Deixa-me os lábios doces.
Tem a polpa de sol, e dentro dele
Calmas sementes de outro sol futuro.
Cheira a terra lavrada e a maresia.
E tão livre e maduro,
Que quando o apanhei já ele caía."
Miguel Torga
É lindo, este poema!
EliminarMuito obrigada, Manel!
Torga é um homem da terra, como a Clarinha e a Sra. Rosalina são mulheres da terra.
Beijinhos. :)
Esta pequena história, de uma ternura tão pueril, lembrou-me o final daquela história de suspense da Miss Smile.
ResponderEliminarSão muito bons, estes momentos de leitura, Maria.
Apontamentos de infância numa aldeia.
EliminarMuito obrigada, Costureira.
Beijos. :)
Gosto tanto de ler as tuas estórias. Têm cheiros e sabores :)
ResponderEliminarUm beijo Maria
Muito obrigada, I.
EliminarBeijos. :)
Esta altura do ano enche o ar de deliciosos aromas. Aquele cheiro da lenha a queimar na lareira, das castanhas assadas, dos marmelos cozidos com um pauzinho de canela. E o cheiro da terra molhada depois de uma chuvada e da erva acabada de cortar…
ResponderEliminarRealmente o Outono consegue despertar os sentidos, com os cheiros, com os sabores, as cores…e esta sua bela história fez-me recordar tempos passados da minha na infância e adolescência.
Boa semana, Maria!;))
Tempos de descuidada alegria!
EliminarBeijinhos, Legionário, e uma boa semana. :)
Escreves muitíssimo bem...as tuas palavras são, invariavelmente, simples mas muito profundas.
ResponderEliminarAcho que começo a apaixonar-me por ti...mas não é preocupante, já que sou um gajo casado!
:)))
Obrigada!
EliminarAinda bem, porque só terias desgostos! :))))
Beijinhos, Jorge.
Castanhas não as havia para os meus lados mas pêssegos, ameixas e muros para saltar...
ResponderEliminarBons tempos!
O encantamento das memórias de infâcia!
EliminarBeijinhos, Rui. Gostei de te ver aqui! :)