Ondina vivera já muitos anos. Passava dos noventa, agora. Tinha sido jovem aprendiz de costura na mestra da aldeia, cortando, cosendo e bordando o enxoval. Ainda nos verdes vinte, João, rapaz garboso e bom de palavra, tratou de conquistá-la e levá-la ao altar. Logo se afadigou na lide da casa, em dar à luz duas filhas (que difíceis foram os partos, naquela casa apertada) e em educá-las nos preceitos antigos.
A vida correra sem
grandes sobressaltos, mas também sem a alegria que imaginara enquanto bordava
os lençóis de linho. João trabalhava de manhã à noite e, ainda que o garbo
estivesse lá, as palavras foram morrendo aos poucos.
Recordava-o num misto de
ternura e de raiva. Amara-o, é certo, mas mantivera escondida a revolta de se
ter diminuído mais de sessenta anos, de nunca ter tido a coragem de ripostar
quando lhe pedia palavras ternas e ele se ria dela.
Agora, no caminho da cama
para a cadeira de rodas, deixava-se levar, enquanto jurava que, doravante,
teria 20 anos e regressaria à costura.