O rapaz que fabricava pesadelos vivia numa constante vigília. Dedicado profissional, tinha sempre à mão um quarto escuro, uivos de dor, vampiros e lobisomens. Havia muito tempo que o fazia, tanto que já nem se recordava como era dormir sem o frio do terror a pairar sobre a sua cabeça. O tempo estagnara, imerso em negrume.
Tinha-lhe, ainda, sido atribuída a tarefa de perseguir e destruir os sonhos que a rapariga fabricava com igual empenho que o dele em fabricar pesadelos. Descobrira que tinham começado a ser enviados em pequenos barcos de papel dourado e apressou-se a construir uma tesoura gigante para os cortar, afundando o mundo solar que transportavam.
Num dia particularmente sombrio, talvez porque não se dera ao cuidado de afiar a tesoura usada vezes sem fim, um dos barcos veio arrastado, inteiro, por uma das lâminas. Atingiu-o um raio intenso de sol e o voo rasante de um bando de pardais chilreantes entrou-lhe quarto adentro. Nessa noite, dormiu sem sobressaltos, embalado pelos sonhos que a rapariga tecera cuidadosamente, prevendo ser ele o destinatário.