Caía a noite devagar no quintal dos
Avelares. A figueira secular estendia os braços fortes em direcção
às janelas da sala de estar, como que a querer abri-las de par em
par. Lá dentro, a luz difusa de um candeeiro de pé iluminava o
cadeirão de couro castanho, onde uma mulher de rosto sardento se
aninhava, descalça, embrenhada na leitura de um livro que, a avaliar
pela sua expressão, deveria ser extremamente interessante.
Quem não se deixou impressionar pelo
entusiasmo da leitora foram as duas crianças loiras que correram
sala dentro, tropeçando no tapete persa, obrigando-a a acudir-lhes
ao choro pouco convicto, mas que logo lhes serviu de desculpa para a
puxarem numa dança de roda.
- Anda brincar, Mariana!
E Mariana rodopiou, dançou, cantou,
rebolou no chão com elas em brincadeiras mil. Ouviam-se as
gargalhadas cristalinas das três a ecoar pela casa. Só a mão terna
do pai das mais pequenas conseguiu levá-las e deixar que o livro
fosse retomado. De novo aberto, os olhos ávidos liam as palavras
interrompidas. Havia, no entanto, para um observador mais atento, um
pormenor estranho… Nunca a leitora mudara de página.
O narrador,
felizmente capaz de fazer-se absolutamente invisível e espreitar-lhe
por cima do ombro, aproximou-se, pé ante pé, e pôde enfim ver a
prosa que tanto a encantava. Dentro do livro, o respeitável
“Ensaios e artigos” de Agustina, numa folha de papel amarelo, um
poema escrito à mão, a esferográfica de tinta azul, com letra
elegante, marcadamente masculina, levemente inclinada para a direita. No fundo da folha, um nome, local e data. Os dedos de Mariana acariciavam os caracteres
da assinatura e os olhos mantinham a avidez do primeiro minuto em que
a vira no sofá da sala.