Cupido mexeu-se cuidadosamente, em equilíbrio periclitante. As asas tinham ficado intactas, apenas um pouco dobradas. Soube que estava a sangrar pelo travo adocicado na boca.
-Raios! pensou. Lá fiquei outra vez com a cara feita num bolo! É no que dá acertar em mim mesmo com uma seta e passar o tempo todo a pensar na Psiquê!
Esvoaçou pelo local do acidente à procura do arco e das flechas. Lá estavam, no passeio fronteiro ao prédio que se lhe atravessara no caminho.
-Por Marte! exclamou. Faltam-me duas setas.
Entretanto, num banco do jardim do bairro, Maria, mulher madura, conhecida pela sua simpatia contida e conduta discreta, abraçava José, homem circunspecto e cauteloso no trato. Bocas unidas num beijo aceso, descobriam o fogo que, afinal, ardia dentro deles sem se ver.
Cupido avistou-os e reparou que, num braço de Maria e nas costas de José, refulgiam as hastes das flechas perdidas.
-A seu tempo! pensou Cupido. A seu tempo!