segunda-feira, dezembro 07, 2015

Golpe de asa

(J. M. W. Turner)

Foi gaivota. Rasou o rio, primeiro, sem que a assustasse o vento a fazer a água agitar-se e a levantar o malhoco. Planava uma e outra vez, pousando a espaços na ponte. A cada vez, aventurava-se em voos mais longos. A foz ali tão perto. O sonho de cruzar o mar a encher-lhe a quilha, a ritmar-lhe o bater de asas. Seguia aquela outra, sempre em reviravoltas de piloto experimentado, regressando mais tarde com o mar nos olhos e histórias de ondas alterosas onde também voavam peixes.
Atreveu-se a ir. Havia nevoeiro e a ronca ensurdecia-a mas nada a demoveu. Inebriada pelo cheiro a maresia, voou mais longe do que nunca, lá em baixo, a água encarneirada com malha branca. Avistava a gaivota aventureira e traçava o rumo na sua esteira. Na excitação, nem sentiu o golpe do arame que se soltara do grande navio, rodopiando ao sabor do vento norte, muito menos se deu conta do vermelho que lhe salpicava a alvura das penas. Morria e nada a movia a não ser continuar.


34 comentários:

  1. Somos gaivotas tantas vezes. Atrevemo-nos a ir, ficamos feridos, morremos, mas voltamos a nascer... continuar, sempre :) Beijinho Maria

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  2. Que trio perfeito, Maria.
    Há muito que uma prosa poética não me enchia a alma. O poder das nossas asas é infindável.
    Muito obrigada Maria. Gostei para lá de muito, como me ensinou a dizer o Manelito.
    Beijinho.

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  3. pássaros feridos são tão tristes como árvores tombadas ou livros sem páginas...

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  4. Não devemos nunca perder a esperança... é verdade. Mesmo com a "asa" ferida.

    Bom feriado, Maria!:)

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  5. A liberdade de voar é o que faz continuar :)
    Beijos Maria

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  6. ~~~
    Um texto muito interessante,

    mas fiquei triste...


    Beijos nostálgicos.
    ~~~~~~~~~~~~~

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    1. Obrigada, Majo! Não é triste, é realista. :)

      Beijinhos.

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  7. Maria, tens aqui um blog tão bonito e eu não o conhecia!

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    1. Obrigada, MC! Eu também gosto muito de ir espreitar a roupa do teu estendal!

      Beijinhos. :)

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  8. Gostei das tuas palavras como sempre, da pintura de um pintor que gosto imenso, o britânico Turner e do grande Tchaikowsky !

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  9. Excelência, Maria, excelência.
    Beijinhos

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  10. Uma história de mar e gaivotas.
    Tão bem contada que as imagens vão passando pelo leitor.
    Excelente, gostei imenso.
    Maria, continuação de boa semana.
    Um abraço.

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    1. Para um homem de Viana, as gaivotas não se estranham.
      Muito obrigada!

      Beijinhos, Jaime. :)

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  11. A viagem nunca acaba. Cada chegada encerra sempre uma nova partida.
    Palavras voadoras na espuma rendilhada das ondas. Muito bonito :)

    Um beijinho, Maria

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    1. Partir é um sonho que pode terminar num regresso.
      Muito obrigada, Miss Smile!

      Beijos. :)

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  12. por vezes morre-se nas palavras
    como gaivotas afundam-nos em marés de sangue

    tocam-nos as palavras é o mistério da escrita

    assim assistimos com pudor e tristeza ao último
    voo da gaivota inebriada pelo cheio a maresia

    magistral, Maria
    Beijo, Maria

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    1. Voos, desde Ícaro que nos atraem...

      Obrigada, muito, Tristan!

      Beijinhos. :)

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  13. Ao ler-te, lembrei-me desta música.
    https://www.youtube.com/watch?v=PLKXmjTWkRA

    Acho que fica aqui tão bem. :)

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    1. Todos voamos pela última vez. Quem sabe o fazemos para um lugar melhor?

      Beijos, papoila. :)

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  15. Que bem que voas, Maria. De asas cheias de vento planas entre azuis.

    Bj

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  16. a bem do equilibrio que sejam golpes de asas

    '
    Nós temos cinco sentidos:
    são dois pares e meio de asas.

    - Como quereis o equilíbrio?'

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    1. Ai que nos falhe um sentido. Ai que nos falhe uma asa.

      Beijinhos, Luís. :)

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