Fora
num dia gélido, ao rasgar de um raio e ribombar de um trovão que Etelvina viera
ao mundo. A mãe, mulher da vida nocturna, esvaíra-se em sangue na esquina da
rua onde lhe rebentaram as águas e foi um engraxador de sapatos ambulante que
lhe cortou o cordão umbilical com a faca de raspar as solas dos sapatos.
Levou-a com ele, embrulhada num trapo sujo de graxa. Não tivera mulher nem
filhos e agora decidira criar aquele nico de gente que berrava por quantas
tinha.
A
Sra. Bina, vizinha de sempre, prometeu ajudá-lo. Afinal, também nunca tivera
nos braços uma cria sua.
Etelvina
cresceu à míngua e tinha no olhar, azul escuro, um mar revolto. Diziam os
poucos que a provocaram que tinha uma faca nos dentes.
Quando
ficou sozinha, quedava-se no casebre do sapateiro durante o dia e saía de
noite para rondar os caixotes de lixo dos restaurantes à beira rio. Sempre
arranjava algum resto de boa comida para matar a fome.
Um
dia, deu com Simão, apanhador de ameijoa no Tejo, homem de poucas falas e faca
nos dentes e juntaram as suas solidões, facas largadas no chão de uma
viela esconsa.