‘Blind Curve’ (2010) © Felix Lucero
O que fazer se me faltam as palavras? Sei que as tinha,
algures, guardadas numa inesgotável fonte de águas claras. Aos poucos, a água
foi escasseando, talvez a tenham confinado em lugar incerto. Ou tê-la-ão levado
por outros caminhos que não este? Haverá alguém que a use e às palavras que
eram minhas, noutra “prisão” que não aquela em que me enclausuro?
Há pássaros em gorjeios à desgarrada fazendo-se ouvir através
dos vidros. Sons de obras à mistura com o troar de motores mais potentes, na
via rápida. Uma mulher de voz alterada grita que não aguenta mais, ao que outra
voz, masculina, responde que não tem culpa.
Da varanda, onde as plantas começam a florir timidamente, vê-se a rua deserta. Por entre os prédios de dez andares, uma nesga de verde, um monte encimado por uma igreja branca. Serpenteante, a estrada estreita que sobe até ao templo faz um recorte no pinhal, um desenho cheio de curvas e contracurvas, como o que traçam os meninos para fazerem pistas de automóveis e brincarem aos pilotos.